colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

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A cadeira brega é só um alerta gigante para Maceió

16/01/2022 - 09:58

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Secom/Maceió
Cadeira de praia gigante instalada na orla de Maceió
Cadeira de praia gigante instalada na orla de Maceió

Quem não tem cão, diz o ditado, caça com gato. É o caso de Itu, pitoresca cidade do interior de São Paulo cuja marca registrada são objetos gigantes plantados por toda a cidade, a levando à fama nacional de “cidade dos exageros”. Mas não foi nenhum prefeito ou político local o autor da palhaçada. Foi um humorista nascido em ITU que no programa “a praça da alegria” criado pelo Manuel da Nóbrega, sempre que instado sobre sua cidade criava exemplos fictícios (e bem apropriados às piadas do programa) do gigantismo das coisas por lá. Começando, claro, pela mandioca. A cidade fez fama. Recebe 2 milhões de turistas/ano (segundo a prefeitura).

Um exemplo acabado de uma patacoada que deu certo. Mas lá não tem cadeira gigante, nem de praia (que não há na cidade) nem outro tipo qualquer de cadeira (como existe em Londres, Paris, Genebra). As de praia estão “plantadas” em cidades litorâneas de países como México, Austrália ou Bermudas. Durante os últimos dias, Maceió incorporou a “síndrome de ITU” e copiou o exemplo de outras cidades do mundo, ao “plantar” uma cadeira de praia gigantesca na área mais nobre da sua linda orla marítima. E aí o bicho começou a pegar.

De um lado, alguns turistas (a cidade os recebe às dezenas de milhares) se enfileirando por bom tempo aguardando o momento para se deixar fotografar diante da duvidosa nova atração da área mais nobre do belo litoral maceioense. De outro, boa parte da “intelligentsia” local a se manifestar contra o equipamento esgrimindo – com razão – argumentos estéticos, artísticos, culturais, antropológicos, de falta de acessibilidade, segurança, além, argumentam de ser um agressão à memoria da cidade, dentre vários outros. Enquanto que o ministério público se manifesta – corretamente - para que a municipalidade explique a interdição de área pública para a colocação do objeto gigante.

Não resta dúvida, se a intenção era impactar ao se criar o “monumento à cadeira de praia” o resultado foi estrondoso. Na base do amei/odiei e da dúvida do uso de recursos públicos para tal fútil “atração” ou da legalidade da sua implantação naquele local.

Quero por um pouco mais de lenha nessa fogueira e dar meus pitacos: fui secretário de planejamento e urbanismo dessa cidade e sei o quão é difícil se sair da mesmice, do lugar comum, das soluções milagreiras e dos pratos feitos dos que se oferecem “desinteressadamente para resolver os problemas da cidade”.

Maceió a rigor passou por uma revolução urbanística na orla marítima ainda quando Fernando Collor foi prefeito e, ainda na década de 1980, com a consolidação do gabarito (8 andares) para se construir na orla urbana de Maceió, na gestão Djalma Falcão (e deste escriba na então COMPLAN) que impediu iniciativa orquestrada para “emparedar” a cidade no estilo dos espigões de Copacabana, assegurando à arquitetura local a oportunidade para criar um dos mais belos conjuntos arquitetônicos do mundo que é, junto com as praias da cidade, parte integrante da atração do turismo de Maceió.

De lá prá cá em termos de revolucionar a cidade, nada. Apenas incrementos. Pior. Não consertaram o que havia ficado para ser resolvido nos governos seguintes: a despoluição do Salgadinho e a reativação da bela praia da avenida e da atividade turística na região; Fizeram mas não deram conta de consolidar o Jaraguá como local de maior movimentação turística noturna da cidade; não se construiu uma marina com capacidade para recepcionar a navegação classe A sempre em embarcações de grande porte que estava programada para ser em frente ao Jaraguá; não se ampliou a urbanização da orla até os limites Norte da cidade;

Não se cuidou adequadamente da modernização do emissário submarino; não se resolveu a situação do antigo lixão de Maceió (estão autorizando prédios de luxo em área contigua), problema que se agrava quando se sabe que o “novo” aterro da cidade foi implantado em área urbana, e já existem registros de centenas de reclamações e notificações do IMA para mudança de lugar de lugar do mesmo. Por que, pergunta-se, não se implantou uma usina de processamento de lixo (que além de tudo, geraria energia para abastecer TODA Maceió?...);

Até agora não se deu solução para o trânsito de mão única na orla, uma necessidade imperiosa há mais de 3 décadas de trânsito caótico na área. E o antigo Alagoinha? O que dizer? E as “línguas sujas”? prometidas de solução a cada eleição e que continua a nos envergonhar e a contaminar as pessoas tal qual um estado africano dos mais atrasados?

É olhe que estamos falando apenas de uma nesga de área de Maceió... O resto talvez um dia a gente fale. Me cansa a pequenez e o despreparo das mentes políticas locais.

E aí retornamos à cadeira gigante. Na última década, Maceió seguiu a moda do Rio (e de outras cidades mundo afora) e tascou a plantar homenageados sob forma de estátuas em sua orla, mais algum tempo e vamos ter um engarrafamento de estátuas, a do pai do vereador que fez um lobby competente, a da mãe de um vice prefeito qualquer, a do cara que flanelava os carros defronte de algum lugar conhecido, e vai por aí. É assim que a banda toca nesse país de Macunaímas.

A cadeira de praia gigante se insere nesse rol. Talvez seja a primeira da série de “homenagens” bregas que algum iluminado tenha convencido o staff da prefeitura de assumir tal desafio, rasgando o véu dos cuidados estéticos, artísticos, culturais, etc. que, uma iniciativa dessas exige.

Se é mesmo para ficar o trambolho para se “incentivar o turismo” (sic!), por que não colocá-lo em área de menor afluxo, distante do burburinho já consolidado da Ponta Verde, Jatiúca, Pajuçara? (e, portanto, sem demanda de “ajudas” desse tipo)? Seria uma forma de atrair, levar pessoas até o local e movimentar a economia daquela nova área...

Mas é quer muito da falta de sensibilidade dessa gente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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