colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

O novo normal é a crise na esquina

02/07/2020 - 09:29

ACESSIBILIDADE


Ao longo desta crise sanitária mundial temos nos deparado com importantes cientistas sociais, e analistas diversos com uma visão romanceada sobre um novo normal no pós-pandemia com mais equanimidade, mais igualdade, mais respeito pelo outro, etc. etc.

Enxergo diferente. Até que surja uma vacina ou um remédio eficaz para combater o vírus, o mundo terá que aprender a conviver no dia-a-dia com a COVID-19 e com surtos recorrentes da mesma ao longo desta etapa. Esse, sim, será o novo normal da sociedade mundial até que apareça uma solução para o problema e cubra a todos com sua barreira protetiva ao vírus. 

Por outro lado não vejo, a princípio, sinais claros de mudanças no padrão de comportamento social e ético das pessoas. Pode até ser que no médio e longo prazo, a pandemia venha a provocar essas mudanças preconizadas pelos especialistas. Agora não.

A diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa F. Etienne, afirmou que “Devemos ser realistas sobre o futuro: todos terão que se adaptar a um novo modo de vida e redefinir nosso senso de normalidade”. 

É o que está acontecendo na China, no Oriente e na Europa, as primeiras regiões afetadas pelo vírus que se preparam para retomar a vida normal cheia de cuidados e prevenções contra a doença biológica que assalta o mundo. 

Nesse novo normal que o mundo se prepara para conviver, as Américas, uma das regiões do mundo mais atingidas pela pandemia e que detém o maior número de óbitos (226 mil) dentre todos os continentes, viu em um mês o número de casos simplesmente triplicarem de 660 mil em 23 de maio para quase 2 milhões em 23 de junho. O que lhe confere certamente o titulo de epicentro atual da doença no mundo.

A região está envolta num quadro de transmissão generalizada, onde certamente – dada a baixíssima testagem – não tem sido possível estimar de forma adequada o número de infectados (pesquisas e estudos estimam conservadoramente que a “imunidade do rebanho” já deve ter atingido entre 10% a 20% da população).
E é para essa realidade factual que devemos nos preparar para os próximos 24 meses. 

A continuidade do espalhamento do vírus na região e o aprofundamento da crise social e econômica daí decorrente é a grande preocupação. Embora ainda não haja estudos conclusivos sobre as consequências do impacto do vírus na economia latino-americana ou de suas implicações diretas na vida das pessoas e das empresas, é certo que a enorme queda do PIB regional (estimada pelo FMI em 9,4% para o trimestre abril/maio/junho), e a consequente recessão que já se abate por toda região, ameaça se tornar em algo ainda pior, uma depressão, com funestos resultados para o conjunto de países latinos.

Que não podem, nem devem pensar suas soluções de saída da crise pelo regramento preguiçoso dos ajustes fiscalistas via medidas restritivas, já que a pandemia está mostrando com rude clareza o tamanho do fosso existente entre as camadas sociais de renda superior da sociedade latina e a base da população (que seriam, de novo, as mais prejudicadas).

Nenhuma solução pós-pandemia pode passar ao largo dessa realidade. Até por que negligenciá-la é negar a oportunidade de trazer milhões de pessoas de volta ao mercado de consumo, este sim, um bom caminho, dentre outros, para reoxigenar as empresas, as finanças dos governos e a economia como um todo. 

A manutenção e a geração de empregos é arma poderosa para reduzir o impacto do caos social que advirá se nada for feito nesse sentido. Tome-se o caso do Brasil como exemplo, o país tem atualmente mais pessoas em idade de trabalhar desempregadas que empregadas, numa cruel inversão de todos os valores básicos que sustentam uma economia e em última instância a democracia.

O momento é grave e exige. A região caminha célere para uma depressão, com todas as suas consequências como desemprego em massa, falência de milhões de empresas, baixos níveis de produção e menos ainda de investimentos, incapacidade de retomada do crescimento, estagnação, crise social, aumento da pobreza, da violência, da insegurança... 

Frágil política, econômica e estruturalmente e com os mais importantes países como Brasil, Venezuela, Argentina, Chile já em crise, a América Latina corre sérios riscos de ser engolfada pelo fantasma da baixa recuperação que é o que de pior pode acontecer no contexto regional.

A ver.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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