colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

Mais um engodo na Educação

17/06/2020 - 08:30

ACESSIBILIDADE


Em 2008 fui contratado e assumi o desafio de ser o diretor executivo do primeiro projeto brasileiro 100% digital e online destinado ao ensino fundamental. Uma revolução para a época. Nem mesmo países com padrões educacionais mais avançados haviam chegado até aquele ponto. 

Lideramos uma equipe com de mais de 60 professores doutores, mestres ou especialistas em áreas específicas da educação básica fundamental, outros 40 profissionais de TI, engenheiros de hardware e de software, analistas e programadores diversos e uma grande equipe de criação composta de designers, projetistas, desenhistas, compositores, músicos, cantores, contadores de história e todo o pessoal de TI para o front desk e back desk, para a produção multimídia. Umas 250 pessoas ao todo. Um projeto de grande porte e folego. Mas não é dele que vamos falar agora.

É do docente que iria interagir em sala de aula (e fora dela, já que os alunos estariam logados todo o tempo) com o conteúdo educacional multimídia online e suas multifacetadas possibilidades. O desenvolvimento do projeto se deu em Goiânia e, escolhemos para ser o piloto do projeto uma cidade-dormitório da capital situada a 13 km do centro da capital de Goiás. Um município de pequeno porte com pouco mais de 3 mil habitantes e 6 escolas municipais e fortíssima interação social, cultural, educacional com a metrópole que liderava a macro região central do Estado.

Portanto, uma boa amostra para os testes, ajustes nos conteúdos, na metodologia proposta, na didática pedagógica, na proposta multimídia, na inteligência informacional (softwares, hardwares, conexões, links, etc.).
Negociado e celebrado os termos do piloto com a Prefeitura, nossa primeira medida foi fazer uma avaliação dos 103 professores municipais no tocante aos seus conhecimentos técnicos dos conteúdos que ministravam e da didática e estratégias metodológicas e pedagógicas que se utilizavam. 

E também o grau de conhecimento/familiaridade com as funções básicas (bem básicas mesmo já que o sistema ajudaria com a maior parte do esforço de TI) do sistema Office. É preciso dizer que dos 103 professores, 3 tinham mestrado e 99 eram especialistas e 2 estavam cursando uma especialização. Ou seja, apenas um professor, no caso professora (em fase de aposentadoria), tinha apenas o curso superior. Não havia docente sem formação superior. Em tese um elenco e tanto.

Pois bem, iniciamos os testes para verificação das habilidades dos docentes com o programa Office, central para todo o restante do processo a ser demarrado. E os resultados foram surpreendentes (aquela época a digitalização já era algo bem disseminado no país).

O primeiro dos testes era algo bem singelo: diante de um notebook fechado e desligado, o docente deveria abri-lo, ligá-lo, acessar o programa Word e nele escrever seu nome em 10 minutos, se não me falha a memória. Apenas 3 deles conseguiram suplantar essa etapa. Desnecessário dizer que tivemos que suspender a execução do piloto para, durante 5 meses – se estou bem lembrado – prover a capacitação dos mesmos na execução do Office, sem o que o que nada seria possível dali para a frente.

Os testes de conhecimentos técnico-pedagógicos também foram péssimos. No conjunto a nota média não ultrapassou a nota 3 de um escore que poderia ir até 10. O que nos tomou mais alguns meses com uma atualização da capacitação do docente. 

Totalizamos 12 meses ao todo para preparar a equipe docente local para operar adequadamente o sistema, entender, incorporar e adotar a nova proposta metodológica e a pedagogia que combinava o online com o presencial como até hoje nenhuma empresa, escola ou universidade logrou chegar lá. 

A um custo financeiro enorme (afinal a empresa, iniciante, contava com um quadro de quase 3 centenas de profissionais de alto nível muitíssimos bem remunerados) que lá na frente – e vamos explicar – terminou por gerar dificuldades que terminaram se mostrando intransponíveis para o grupo empreendedor (que se recusava a atrair novos investidores, e haviam muitos...).

Por que estamos relembrando disso? Por uma razão também singela. De repente, magicamente, o ensino à distância – que nunca foi feito neste país na educação básica com o mínimo de qualidade requerida – passou a ser o “novo normal” para usar a palavra da hora.
Amanhã seguimos com o tema.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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