colunista

Elias Fragoso

Economista, foi prof. da UFAL, Católica/BSB, Cesmac, Araguaia/GYN e Secret. de Finanças, Planej. Urbano/MCZ e Planej. do M. da. Agricultura/DF e, organizador do livro Rasgando a Cortina de Silêncios.

Conteúdo Opinativo

A Covid na periferia

06/05/2020 - 09:31

ACESSIBILIDADE


Neste país tão enormemente desigual, estamos para registrar mais uma carnificina de pessoas pobres, da periferia. Que será tangenciada por palavras bonitas e até caridosas por aqueles que representam o Estado. Ou até negaceadas, supremo crime ao ser negaceada por eles. 

O país inteiro sabe (mas sempre fez vista grossa, afinal os ricos e os remediados têm “planos de saúde”) que o sucateamento do SUS vem matando brasileiros aos milhares a cada ano. Basta saber que, em “tempos normais”, ele mal dá conta de atender a 30% da demanda (a espera média para uma consulta de 3 minutos com um especialista chega a 6 meses! E se for uma cirurgia, a coisa fica ainda pior: é 1,3 ano de espera). Milhões de brasileiros morreram por falta de assistência de saúde nas últimas décadas. 

Agora com a pandemia chegando com força nos redutos mais pobres das grandes cidades (na maioria das cidades de médio e pequeno do interior, ela ainda demora um pouco a chegar) o que vinha sendo alertado está acontecendo.

Dados da cidade de São Paulo mostram com dura crueza essa realidade. Apenas em um bairro, Sapopemba, na periferia da cidade, o número de óbitos (101) é 10 vezes mais que os registrados nos bairros centrais da cidade. As mortes diminuem nas regiões mais ricas da cidade e chega com força aos bairros mais pobres. Está em plena ascensão, o que significa mais mortes.

Neste país de memória curta, não custa lembrar que as primeiras projeções da epidemia no Brasil falavam em cerca de 50 mil mortes. Se for verdade (e tudo indica que será ainda mais), como nas áreas mais ricas o vírus começa a dar sinais de arrefecimento (e estamos no momento com cerca de 7.400 óbitos), pode-se facilmente deduzir que a imensa maioria dos 43 mil óbitos previstos sairão exatamente de onde já alertávamos há mais de um mês: dos aglomerados subnormais lotados de gente das periferias das grandes cidades. 

Nessas áreas é quase impossível, por razões variadas que vão desde a falta de sabão para lavar as mãos até a necessidade de sair para trabalhar, se proteger nas cidades em que governador ou prefeito liberaram antes do tempo o recolhimento social. Mas uma coisa é certa: esses números certamente estão subnotificados. Estudos já levantaram a hipótese de ser até 20 vezes maior o total de infectados. 

Estamos chegando ao auge da epidemia neste mês e boa parte do sistema já entrou em pane. Se a taxa de recolhimento social continuar oscilando em 50% como agora, vamos ter sérios problemas à frente. E aí, o que vimos na Itália e na Espanha, vira coisa pouca diante do tamanho do caos que se estabelecerá.

As poucas pessoas que estamos vendo desesperadas na porta dos hospitais públicos podem – infelizmente – virar milhares. E ao caos da saúde podemos chegar fácil ao caos no país. Afinal, pobre está acostumado a morrer aos pouquinhos sonhando com um atendimento que quase nunca vem. Mas não está pronto para ver seus familiares morrerem aos borbotões sem qualquer chance de atendimento.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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