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Os maricas somos nós

24/11/2020 - 15:15

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A lamentavelmente reconhecida incontinência verbal do presidente Jair Bolsonaro produziu, semana passada, mais duas pedradas de tolices. Em uma, ameaçou outro país por nada, ou talvez porque o seu candidato de lá tenha perdido as eleições e teimado em não reconhecer a derrota. A questão americana é do povo americano, não do nosso. A bom tempo, os nossos líderes militares se apressaram a dois recados: a defesa do território brasileiro pelas Forças Armadas é dever e honra; e a política deve ficar distante dos quartéis. Após um recado desses, a Nação entendeu que o senhor Bolsonaro, conduzido de ofício à reserva remunerada após sua eleição à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, não teria apoio militar para transformar a caserna em seu partido político.
A segunda idiotice do Bolsonaro pretendeu ofender os brasileiros, pura e simplesmente para firmar suas ideias estapafúrdias de que a covid-19 faça a sua ceifa até cansar, que o governo não gastará mais tempo e dinheiro com esse problema. Afinal, todos iremos morrer um dia, afirmou. Os dicionários têm como significados da palavra maricas os substantivos efeminado, medroso e covarde. Como concedo dúvida à grosseria do presidente ao sugerir que somos um país de maricas, não posso considerar tenha ele pretendido a discriminação de gênero, o que ofenderia o Direito brasileiro. Assim, o malfadado governante estava nos considerando medrosos e covardes. Não, não somos um povo covarde nem medroso. A historiografia brasileira, assim como a história da nossa política, tem registrado o heroísmo desta Nação, sem as patriotadas de inexpressiva minoria que esconde os seus medos na arrogância e na agressão gratuita. Herdamos dos portugueses, dos índios e dos negros, povos e raças que fizeram a nossa brasilidade, não apenas o heroísmo de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e tantos outros europeus, mas a força moral dos tupis, guaranis, tamoios, tupiniquins e dos africanos que resistiram, como o fazem até hoje, à imposição de qualquer canga.

O filósofo francês setecentista Joseph De Maistre, defensor da Monarquia (ele mesmo um aristocrata) e opositor dos ideais republicanos da Revolução Francesa, cunhou no pós-revolução a frase, hoje propalada a dois-por-quatro, que cada povo tem o governo que merece. A questão não me parece assim tão singela e simplista aplicada a nós. Como a política brasileira não é realizada através de partidos ideológicos, ou de firme corrente filosófica, os eleitores optamos por propostas dos candidatos aos cargos políticos. Muitas das vezes temos acreditado em mistificadores, neles votando e guindando-os à governança, mercê da nossa credulidade. Em tal situação, a decepção é, quase ou sempre, inevitável, sendo por isso que o nosso voto é flutuante, algumas vezes elegendo a direita, outras o centro ou a esquerda. Com todo respeito e recalcitrantes, é o nosso fado! O nosso fardo, também.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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