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Bacharéis com anel e papel

13/07/2020 - 13:24

ACESSIBILIDADE


Antiga ironia afirmava que o Brasil é o país dos bacharéis. A origem da crítica remonta ao Império, quando o parlamento brasileiro era dominado pelos bacharéis em Direito, assim como o Magistério. A constatação despertava nos pais a importância de serem os seus filhos bacharéis, com anel e tudo. Esse sonho embalava famílias ricas e menos ricas, os mais pobres contentando-se com a admiração dos orgulhosos anéis ornamentando dedos anulares dos doutores. Após o Direito, a Medicina passou a ser a ambição de muitos. Outras graduações foram surgindo, a conquista do bacharelato democratizada ao ponto de, em certa época, a sociedade preocupar-se com o excesso de bacharéis e doutores, as atividades técnicas minguando. 

Esse nariz de cera faço para abordar a questão da semana, sem sentido e vergonhosa, que se originou em abominável atitude de soberba e absoluto desrespeito pelos honrados homens e mulheres, muitos sem qualquer graduação acadêmica, que contribuem para o engrandecimento da Nação. São milhões de trabalhadores sem qualquer formação universitária, com estudos médios ou não, alguns até sem alfabetização, mas sem os quais a vida nacional seria de fato impossível. Infelizmente alguns não reconhecem o mérito desses cidadãos, tratando-as com menosprezo. O mundo sempre enfrentou essa “guerra” de status, e foi esse entendimento tortuoso que fez nascer, em épocas perdidas nas brumas do tempo, a escravidão, e a inferioridade do comum do povo às classes dominantes. 

Domingo à noite, em logradouro do Rio de Janeiro, constatamos espetáculo explícito de ignorância e menoscabo de profissionais, aparentemente inferiores para os baderneiros. Bares da Zona Sul carioca, abertos quando do relaxamento do distanciamento social, receberam grande afluência de pessoas, sedentos de uma liberdade que lhes parecia perdida. Despidos das máscaras anti-covid19, festejando barulhentamente o descuido com a saúde, sua e de outros, foram advertidos por agentes da Vigilância Sanitária, pessoas que, como tantas outras, vêm se sacrificando para que atravessemos essa pandemia com danos os menores possíveis. Eis que de algum canto surge um festivo, mas agressivo casal, a opor-se ao trabalho dos abnegados servidores públicos.

Em dado momento, a senhora que acompanhava o interpelado, ofendida – pasmem – porque o agente tratara o seu companheiro respeitosamente de “cidadão”, saiu-se com o idiota “cidadão não; ele é engenheiro civil, formado, melhor que você”. Como prêmio por esse absurdo, recebeu providencial demissão do seu emprego, além da notoriedade, péssima por sinal. O ofendido, esse teve a sua graduação revelada e louvada: médico veterinário, pós-graduado e doutor. Desnecessária, mas verdadeira a revelação.

Esse fato comento por não se tratar de único, sendo algo comum ocorrências semelhantes. Quem não lembra do ridículo de certo parlamentar a dar a sua “carteirada” na orla da Pajuçara?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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