colunista

Alari Romariz

Alari Romariz atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa de Alagoas e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

A velhinha das Alagoas

28/10/2020 - 14:22

ACESSIBILIDADE


São muitos anos de luta por melhores dias; onde todos defendem a democracia, nem sempre os cidadãos têm seus mínimos direitos respeitados.

Em 1941, no bairro de Jaraguá, nascia um bebê loirinho, peladinho, filha de um casal de classe média.
O pai, alfaiate, filho de famoso poeta penedense, e a mãe uma bela dona de casa, criaram oito filhos. Os mais velhos estudaram em colégios públicos e todos foram educados aprendendo as regras básicas do bom viver.
Com dezoito anos, a mocinha foi trabalhar num ambiente político e começou a ver exemplos negativos de agir com a coisa pública. Maneiras erradas de ingresso no serviço público do Legislativo, concursos organizados ilegalmente, chegando ao ponto de se entregar provas prontas aos candidatos da Casa. Aprendeu então a menina a defender-se das injustiças, falando e procurando desatar os nós que apareciam.

Naquele tempo, 1959, o servidor público não tinha direito de se organizar em sindicatos, mas a jovem servidora procurava caminhos legais para defender e lutar pela categoria.

Os dirigentes da época se achavam no direito de manipular as leis e colocavam famílias inteiras no quadro de pessoal da Casa de Tavares Bastos. Chegaram ao cúmulo de enxertar na folha de pagamento filhas de menor idade.

Eis que surge uma luz no fim do túnel. A Constituição de 1989 concede aos servidores públicos o direito de fundar seus sindicatos. Aí então, a pobre menina, esclarecida, teve o direito de reclamar judicialmente seus direitos adquiridos.

Foram muitas disputas, algumas vitórias, várias derrotas, mas o grito saía da garganta contra homens valentes, que se achavam donos da verdade. Perseguição, salário cortado, rebaixamento de cargo, nada disso impediu a nova sindicalista de desistir da luta. Aliás, foi aí que ela aprendeu a recorrer à Justiça, pois nada em Alagoas, mais especificamente na Assembleia Legislativa, se resolvia administrativamente.

Os anos foram passando, a servidora escrevendo para os jornais, sempre falando no cotidiano e nos problemas funcionais. Claro que não agradava a muita gente e as reclamações começaram a aparecer. Da categoria nem sempre obtinha boas respostas, pois é bem mais fácil agradar aos patrões.

A madura senhora foi envelhecendo e tornou-se a “Velhinha das Alagoas”, reclamando toda vez que era machucada. Começou a notar que a Justiça, quase sempre, dava razão às autoridades responsáveis por tanta injustiça. Se os jornais publicavam a corrupção cometida pelos gestores e a “Velhinha” os denunciava, os juízes pediam que ela apresentasse as provas. Caso típico são as “rachadinhas”; já houve até crimes por causa da tal troca de favores, mas no fim, ninguém foi punido.

Na vida particular, a idosa já levou algumas pancadas: sofreu um acidente de carro, foi mal atendida numa emergência, levando inclusive três tapas no ombro a título de deboche. O médico está se sentindo desmoralizado porque a vítima reclamou do fato publicamente. E a vítima virou ré. Com a palavra a Justiça!

Recentemente a “Velhinha” alertou um político a respeito da Braskem, em Paripueira. O político se sentiu ofendido e entrou na Justiça. Ora, são cometidos verdadeiros absurdos em nossa cidade, mas ninguém pode falar. O lema é ficar calado! Se o eleitor fosse dizer publicamente tudo que a sociedade acha ruim na municipalidade, seria condenado à prisão perpétua!

Mas como, supostamente, vivemos numa democracia, continuaremos lembrando tudo de errado que vemos e ouvimos. Por exemplo: em Maceió, a poluição do Salgadinho e o esgoto correndo na Praia da Pajuçara; em Paripueira, a perseguição à Igreja Católica, o esgoto fétido a céu aberto no centro da cidade, e o castigo imposto aos pequenos empresários politicamente de oposição.

E a “Velhinha das Alagoas” chega já aos oitenta anos. Lúcida, com sua caixinha de remédios, feliz com sua família, e fazendo um pedido à Justiça da terra: seja mais condescendente com pessoas simples que reclamam das autoridades ditatoriais.

Deus existe! Não duvidem!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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