colunista

Alari Romariz

Alari Romariz atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa de Alagoas e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

Os velhos e os meninos

24/09/2020 - 20:06

ACESSIBILIDADE


A vida começa na infância e termina na velhice, se a criatura não morrer pelo caminho. Estou exatamente no fim do caminho, pois chego já aos oitenta anos e vi muitos fatos acontecidos com os idosos, uns irônicos, outros pejorativos.

Certo dia, chegou uma mulher no Sindicato doa Aposentados da Assembleia Legislativa reclamando de sua pensão, acompanhada de um adolescente rebelde. Ela quis que eu a atendesse e, sinceramente, não a reconheci. Quando riu, lembrei-me que era uma antiga empregada da minha mãe. Procurei ser gentil, resolvi muita coisa e só faltava ir ao cartório pegar um documento. Olhei para o neto e expliquei tudo. Ele, bem ousado, perguntou por que eu não faria tal serviço. A idosa disse-me ainda: “Eu estou satisfeita com meu dinheirinho, ele é que quer mais”. Isto é: o menino querendo mandar nas idosas.

Lembrei-me então do número enorme de avôs e avós que sustentam a casa, com suas pensões, além dos empréstimos consignados feitos por familiares em nome do titular do benefício.

Ao entrar na Faculdade de Filosofia, não existia a universidade na época, ganhei uma bolsa de estudos discorrendo sobre liberdade: ela diminui quando chegam a maturidade e a velhice, porque os censores do que fazer ou não fazer, ficam mais rígidos. Além do que, na velhice o vigor físico fica menor. O mental, se não houver problemas de senilidade, fica bem maior.

Outro fato que me irrita bastante, é ser chamada de “tia” por desconhecidos na rua. Sinto um tom de gozação não muito agradável. Mas, como somos de família grande e chegamos à terceira idade, deparamo-nos com o contato dos netos, cuja idades variam de 11 a 33 anos. Todos moram fora e vêm muito pouco atualmente ao Paraíso da Vovó Alari, nossa casa.

Há vinte anos morando na praia, recebemos visitas de filhos, filhas, genros noras, netos, netas, vizinhos e amigos. As férias eram maravilhosas. Nos meses de dezembro, janeiro, e julho acolhíamos até dez crianças, muitas vezes sem os pais.

Sempre fomos rigorosos com os pequenos, preocupávamos com os vários problemas e alguns tipos de brincadeiras. Adotamos o seguinte lema: “Tudo aqui é de todos; nada é de ninguém”. Ficaram boas lembranças dessa época. 

Mas o tempo vai passando e os avós ficando velhos, cansados com passos lentos. Os netos chegados mais tarde, encontraram os pais dos pais mais envelhecidos; não entendem bem a cabeça dos idosos. Esses, por sua vez, perdem a paciência com pouca coisa e precisam compreender que já não têm mais a capacidade de cuidar de crianças. 

Recebo ligações de meus onze netos, todos moram fora, em ocasiões especiais. “E aí, vó, tudo bem? Como vai o vovô”? A conversa é pouca, a distância é grande e hoje, para eles, somos dois anciões, perto de morrer.
Quando aqui estão, os mais novos custam a entender dois idosos exigindo presença na mesa no horário das refeições, cumprimento às pessoas e outros detalhes de costumes antigos, importantes para pessoas educadas.
Hoje, vivemos de sonho: pensamos nos filhos, seus rebentos e que vamos vê-los cada vez menos. As viagens constantes que fazíamos ficarão cada vez mais raras. Os aeroportos estão complicados, viajar de carro torna-se muito cansativo, quase impossível.

Nossa sorte é vivermos num bom local, contar com empregados que nos ajudam, perto de irmãos e irmãs. Vamos levando o barco com a mão de Deus.

E chegamos à conclusão: idosos de oitenta anos não podem conviver com crianças e pré-adolescentes. De repente, nossas ideias estão ultrapassadas, os censores mais atuantes, estamos cansados e poucos, poucos, mesmo, entendem a tal da terceira idade.

Deus na causa!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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