colunista

Alari Romariz

Alari Romariz atuou por vários anos no Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa de Alagoas e ganhou notoriedade ao denunciar esquemas de corrupção na folha de pagamento da casa em 1986

Conteúdo Opinativo

Meu velho guru

15/06/2020 - 15:36

ACESSIBILIDADE


Se houve uma pessoa que marcou minha vida, foi meu pai. Desde tenra infância éramos amigos e suas frases sempre me marcaram.

Em 1945 ouvi fogos e o rádio dando notícias incessantes dos acontecimentos ocorridos no mundo inteiro. Assustada, perguntei: “O que é isso? “Ao que meu pai respondeu: “É o fim da guerra. Alegre-se!”
No Natal de 1947, esperei ansiosa pelo Papai Noel e, finalmente, adormeci. Vi aos pés da cama uma boneca negra. Fiquei com medo. Chorei e não quis o presente. Minha mãe brigava comigo e ele só olhava para mim. Sentou-se ao meu lado e começou a falar de preconceito. E eu replicava: “Sabino ganhou um birô para estudar e eu uma boneca negra”. E ele insistia nos conselhos!

Em maio de 1949, fomos vítimas de uma enchente na entrada do Poço. Saímos pelos fundos da casa, com muita chuva. A ponte do Salgadinho estava inundada e escorregadia. Ele, pegando na minha mão, com meu irmão José no braço, dizia: “Tenha calma, nada vai acontecer. Chegaremos já na casa de seu tio”. Ainda hoje, tenho relances dos fatos ocorridos naquele fatídico dia.

Com 12 anos fui estudar no Instituto de Educação. Minha mãe foi contra. Procurei uma amiga de meus pais, que era amiga do diretor da escola e pedi que me levasse a ele. Acertamos tudo, mas o professor disse que, como eu era menor, precisaria de autorização de meu pai. Falei com ele, resolvemos tudo e, só depois de matriculada, levamos o fato para minha mãe.

Assim fui crescendo: estudava pela manhã e trabalhava com ele no seu escritório no segundo horário. Com ele aprendi a redigir, contabilidade, fazia os pagamentos mensais e já ganhava salário mínimo com 12 anos.
Ia às festas da Portuguesa, devidamente acompanhada por meus pais e lá comecei a namorar com Rubião. Todos pensavam que ele, meu pai, não sabia do namoro, mas conversávamos muito sobre o assunto. Quando viajava ao Rio de Janeiro para encontrar o namorado, minha mãe achava que todos iam falar mal de mim, e ele me dizia: “Se você não se respeitar, nem ele a respeitará. Vá em paz”. 

Comecei a trabalhar na Assembleia Legislativa aos 18 anos. Lá cheguei com a cabeça cheia de advertências: “Trabalhe com roupas discretas, não aceite brincadeiras dúbias, respeite os outros, para ser respeitada”.
Nas fases críticas de minha vida, ouvia de meu pai sábios conselhos. Certa vez, em 1966, sofremos um acidente de carro. Chegando ao Rio, passei um telegrama: “Chegamos Rio; aguarde carta”. Minha mãe vibrou achando que tudo tinha corrido normalmente. “Não”, disse ele, “Ela não disse chegamos bem; algo aconteceu”.

Eu já casada, trabalhando em Recife, ele me chamou para pedir que olhasse pelo irmão mais velho. “Sabino não pensa no futuro; não o deixe morrer no SUS”. Quando o irmão adoeceu gravemente, tinha tentado cancelar o plano de saúde. Graças a Deus não conseguiu e foi muito bem atendido pela Copamedh, na Santa Casa de Misericórdia. Claro que meu pai foi lembrado.

Era terrivelmente apaixonado por minha mãe e, mesmo quando ela errava conosco, ele não a desautorizava. Insistia: “Tenha calma, sei que você tem razão; depois falo com ela”. E não falava!

Ainda hoje, com 79 anos, tendo perdido ele antes dos 40, lembro-me constantemente de seus conselhos, das pessoas que foram ajudadas por ele, dos parentes e amigos que adoeceram e morreram em nossa casa. Vez por outra, chegavam alguns de Penedo, para resolverem problemas em Maceió.

Em 1979 fui morar pela terceira vez no Rio de Janeiro. Ao despedir-me dele chorando, ele disse no meu ouvido: “Você não me verá mais”. Morreu em maio daquele ano.

Não estou falando de nenhum herói. Apenas de um homem que, somente com o curso primário, chegou, através de concurso, a ser auditor Fiscal do INSS. Lia muito, escrevia poesias, sonhava com um futuro bem melhor. Criou 8 filhos, ajudou muita gente, um socialista visionário. Esse era meu pai, João Romariz.

No momento atual, antes de dormir, converso com ele, conto meus problemas, peço conselhos. E ouço respostas!
Desejo a cada um dos meus leitores um pai igual ao meu.
Deus existe! Não duvidem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do EXTRA


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