Julgamento

'Oráculo regimental' usa discrição para comandar plenário do STF

Secretário de sessão, Luiz Tomimatsu organiza plenário há duas décadas. À esquerda do presidente, ele lê ata e 'sabe todas as questões regimentais'
Por Do G1, em Brasília 29/08/2012 - 07:44

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'Oráculo regimental' usa discrição para comandar plenário do STF

O homem responsável por organizar as sessões do STF é um personagem discreto, silencioso e passa quase despercebido no plenário do Supremo Tribunal Federal, em meio aos acalorados debates do julgamento do processo do mensalão. Mas é reconhecido pelos magistrados como uma espécie de “oráculo regimental” do tribunal, conforme definiu o ministro Gilmar Mendes, que presidiu a Corte entre 2008 e 2010.

 

Bacharel em direito, o secretário de sessão Luiz Shiyoji Tomimatsu senta à esquerda do presidente Ayres Britto. É o encarregado de dar suporte administrativo aos magistrados em meio às sessões e, segundo Mendes, "sabe todas as questões regimentais". Diante da intervenção inesperada de um advogado, por exemplo, é ele quem socorre o presidente com a cópia de uma decisão anterior ou resgata um voto antigo de um ministro.

 

Entre as atribuições de Tomimatsu estão a elaboração das pautas, a revisão de acórdãos e a leitura das atas das sessões. Em todas as sessões, após declarar oficialmente aberto o julgamento, Ayres Britto passa a palavra ao secretário, para que ele leia a ata da sessão anterior (veja no vídeo acima, da TV Justiça, a leitura da ata da sessão do último dia 20 do julgamento do mensalão).

 

Disciplinado, Tomimatsu encara a timidez de falar em público para se pronunciar diante dos ministros, do procurador-geral da República e dos advogados dos réus. Nas sessões acompanhadas pelo G1, ele nunca levou mais que 18 segundos para recitar a ata. Em uma delas, chegou a ler o documento em 12 segundos.

 

Também compete ao chefe das sessões comandar os assistentes de plenário dos magistrados, conhecidos informalmente como “capinhas”. Mesmo com temperamento sereno, Tomimatsu não se esquiva de distribuir broncas quando o grupo quebra o protocolo, falando alto ou cochichando durante os julgamentos.

 


A gente [os ministros] não sabe nada da vida dele. Ele não faz piada, não revela o humor. Mas é muito eficiente, sabe todas as questões regimentais. É uma espécie de oráculo em termos regimentais."

Gilmar Mendes, ministro e ex-presidente do STF

 

Sem entrevistas
Avesso à exposição pública, Tomimatsu não dá entrevistas, mas conquistou a confiança dos ministros do tribunal. Há pelo menos duas décadas, ele sobrevive incólume às sucessões no comando do Judiciário.

 

Segundo a memória de alguns magistrados, o secretário foi encarregado de gerenciar o plenário na gestão do ex-ministro Sydney Sanches, que presidiu a corte entre 1991 e 1993. Desde então, tem sido reconduzido ao cargo de confiança do presidente do STF a cada troca de bastão.

 

“O Luiz (Tomimatsu) é um funcionário exemplar e um sujeito absolutamente discreto. A gente (os ministros) não sabe nada da vida dele. Ele não faz piada, não revela o humor. Mas é muito eficiente, sabe todas as questões regimentais. É uma espécie de oráculo em termos regimentais”, definiu o ministro Gilmar Mendes.

 

Há 22 anos no STF, o ministro Marco Aurélio Mello também avaliza a postura profissional do secretário de plenário. O magistrado conta que manteve Tomimatsu à frente das sessões nos dois anos em que chefiou o Judiciário (2001-2003) por conta de sua “discrição”.

 

“Ele (o secretário) é eficiente. Tem o domínio de tudo e fica caladinho, parece que a cadeira está vazia. Além disso, tem a memória do dia a dia e das práticas sob o ângulo da presidência”, afirmou Mello.

 

Chamado por alguns colegas de “pedra fundamental”, por ser um dos mais antigos funcionários em atividade no STF, Tomimatsu se recusa a conceder entrevistas e também evita ser flagrado pelas lentes dos fotógrafos.

 

G1 tentou conversar com o secretário no intervalo de uma das sessões do julgamento do mensalão, mas não obteve sucesso. Informado por um dos seguranças do plenário de que uma pessoa gostaria de conversar com ele, interrompeu a caminhada e se dirigiu ao repórter com um sorriso. Mas ao saber que o interlocutor era jornalista, deu as costas e repetiu: “Entrevista, não, entrevista, não”.

 

Há cerca de 30 anos no tribunal, Tomimatsu acumulou ao longo das décadas um salário maior que o dos próprios ministros da corte, segundo informações do site de transparência do STF.

 

Atualmente, o vencimento dele ultrapassa o teto do funcionalismo, de R$ 26.723,13. Em julho, o contracheque de Tomimatsu somou R$ 29.067,39, contabilizando-se a gratificação por função comissionada e o adicional por permanência, conforme o site do Supremo.

 

A remuneração do secretário de sessão está acima do valor máximo que pode ser pago a um servidor público em razão do abono de permanência, benefício pago a funcionários que optam por permanecer na ativa mesmo com tempo de serviço suficiente para se aposentar.

 

Jurisprudência do Supremo garante o pagamento desse adicional, ainda que o salário fique acima do teto do funcionalismo, para servidores que adiam a aposentadoria.

 

Chefe dos 'capinhas'
O secretário mantém uma relação quase fraternal com os capinhas. A intimidade entre eles é tão grande que os assistentes só se referem ao chefe pelo primeiro nome: Luiz.

 

Quando as sessões avançam noite adentro,Tomimatsu costuma pagar o lanche dos capinhas terceirizados, que têm os menores salários da categoria. Em geral, encomenda pizzas.

 

Nos encontros organizados pelos assistentes fora do tribunal, abre mão da formalidade e, segundo relatos dos subordinados, se revela extrovertido e carismático em eventos como churrascos e feijoadas.

 

Nesses eventos, em que só bebe refrigerante, brinca, conta piadas e faz pedidos de músicas sertanejas, relatam capinhas, que afirmam que ele já os alertou sobre uma festa regada a churrasco a ser realizada em breve para comemorar a inauguração da nova piscina.

 

Divorciado e pai de três filhos (duas mulheres e um homem), o secretário se refugia nos dias de folga em uma chácara no município de Luziânia, no entorno do Distrito Federal.

 

Filho de japoneses, relaxa da tensão do tribunal ajudando a cuidar da horta e do pomar de sua propriedade rural.

 

A amigos mais próximos, Tomimatsu já confidenciou que pretende se aposentar até o final do ano para se dedicar mais à chácara e a viagens pelo litoral do Nordeste.


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