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Senado recebe projeto de alteração do Código Penal; entenda

Especialistas comentam propostas de alteração de comissão de juristas. Para criminalistas, mudanças são necessárias, mas há exageros
Por Do G1, em São Paulo 28/06/2012 - 10:20

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Senado recebe projeto de alteração do Código Penal; entenda

A comissão de juristas composta para propor mudanças no Código Penal entregou nesta quarta-feira (27) o resultado do trabalho. As propostas serão analisadas pelo Senado como projeto de lei (Veja as principais propostas ao final).

Para Maria Isabel Bermúdez, advogada especialista em direito criminal, as mudanças são "mais do que necessárias". "É um Código de 1940, precisa ser modernizado, mas não com base no clamor público, por penas mais graves. É uma ilusão. Só a lei rígida não basta. O aumento de pena por si só não vai diminuir o crime e não vai melhorar a segurança pública", afirma.

Segundo ela, um dos problemas está em punir o chamado enriquecimento ilícito de funcionários públicos. “É temeroso que se comece a denunciar qualquer tipo de enriquecimento. O funcionário público que tem uma conduta inidônea já é punido pela lei de improbidade administrativa e já tem penas bem drásticas. O Código Penal já dá conta”, afirma.

A criminalista elogia outras mudanças propostas, como a criação de penas para o jogo do bicho, organização criminosa, terrorismo, como também a previsão de aborto em caso de anencefalia. “Está bem completo, está se modernizando em diversas áreas”, avalia.

Entre as mudanças está tornar crime a exploração de jogos, que está legislação brasileira como contravenção penal, com penas mais brandas que geralmente não levam à prisão. Os juristas também propõem punir de maneira mais rigorosa aqueles que utilizam menores de idade na prática de crimes.

É uma ilusão. Só a lei rígida não basta. O aumento de pena por si só não vai diminuir o crime e não vai melhorar a segurança pública"
Maria Isabel Bermúdez, advogada especialista em direito criminal

Sobre a inserção dos chamados crimes cibernéticos, o advogado Jair Jaloreto, especialista em direito penal e em crimes na internet, avalia que nem todas as condutas precisariam de lei específica. "Furto de dados, por exemplo, já existe no Código Penal. É o crime de furto", afirma. Já para outros crimes na internet, as mudanças são necessárias.

“Tem muita coisa que não é criminalizada. Se invado um site e tenho acesso a dados que lá estão, e saio, por exemplo. E isso não é difícil provar. Essa e outras condutas precisam ser criminalizadas”, avalia.

O furto também passa a ser um crime de ação penal condicionada (alguém precisa fazer a queixa para que o autor seja acusado), com pena menor, de seis meses a três anos de reclusão. “Tem muita gente presa por esse crime. Essa mudança deve dar oportunidade para essas pessoas que são rés primárias e lotam os presídios”, afirma Bermúdez.

Helena Regina Lobo da Costa, membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), avalia que o trabalho da comissão “está sendo feito de forma meio açodada” e ainda há necessidade de uma revisão.

Para a especialista, os tipos penais criados precisam ter penas proporcionais, levando em conta o conjunto do Código Penal. “Cada proposta é lançada a conta gotas sem ter uma reflexão sobre como estabelecer um sistema coerente”, afirma. “A comissão fez propostas apressadas, muitas vezes baseadas em fatos específicos, um crime que teve uma repercussão maior na imprensa.”

Cada proposta é lançada a conta gotas sem ter uma reflexão sobre como estabelecer um sistema coerente"
Helena Regina Lobo da Costa, da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados de SP

Um dos problemas, segundo ela, está no tipo penal que criminaliza o “bullying”. “Várias dessas condutas já são criminalizadas hoje como ameaça, lesão corporal. O que se teme é que além de tudo o novo Código traga problemas na hora de interpretar a lei. O que vou aplicar? Elas ignoram figuras que já existem”, afirma.

A criminalista diz ainda que há um aumento exagerado das penas previstas. “O Brasil hoje já é o terceiro país no mundo que mais encarcera pessoas. Temos as prisões absolutamente lotadas. E isso já se viu que não funciona. Há propostas para se diminuir penas sim, mas realmente, são propostas isoladas. No todo, o que prevalece é a criação de novas figuras e o aumento de penas", completa.

Veja a seguir as principais mudanças propostas para o novo Código Penal:

Beber e dirigir

Digirir sob influência de álcool ou substância com efeito parecido pode ser considerado crime. Não precisa causar dano, expor ao risco é suficiente. Penas: 1 a 3 anos de prisão

Racha

Corrida, disputa ou competição automobilística em via pública não autorizada. Penas: 2 a 4 anos de prisão

Abandono de animal

Pena: prisão, de 6 meses a 2 anos, se do fato não resultar crime mais grave

Perturbação do sossego

Algazarra, gritaria, barulho e até um animal barulhento que o dono não procura impedir ou provoca a fazer barulho. Pena: prisão de 6 meses a 1 ano

Omissão de comunicação

Exercendo função pública, principalmente na medicina e na área sanitária, deixar de comunicar a uma autoridade um crime de ação pública (que o Ministério Público precisa denunciar). Pena: 1 a 2 anos de prisão

Funcionário público

Passar-se por funcionário público. Pena: prisão de 1 a 2 anos

Jogos ilegal

Explorar jogo de azar. Pena: 1 a 2 anos

Estupro

Especifica as maneiras de constrangimento: sexual vaginal, anal ou oral. Pena: 6 a 10 anos de reclusão

Manipulação e introdução sexual de objetos vaginal ou anal. Pena: 6 a 10 anos de reclusão

Molestamento sexual, se for diverso do estupro vaginal, anal e oral. Pena: 2 a 6 anos de reclusão

Estupro de vulnerável

Passa a ser contra menor de 12 anos, relação sexual vaginal, anal ou oral. Pena: 8 a 12 anos de reclusão.

Aborto

Três novas hipóteses em que não é crime:

- gravidez por emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;

- anencefalia ou feto com graves e incuráveis anomalias, atestado por dois médicos;

- por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas para a maternidade

Crimes cibernéticos

- Intrusão cibernética: acessar indevidamente ou sem autorização sistema protegido. Pena: de 6 meses a 1 ano de prisão ou multa

- Sabotagem informática: interferir de qualquer forma sem autorização contra a funcionalidade do sistema. Pena: de 1 a 2 anos de prisão e multa.

Furto

Diminui a pena e passa a ser obrigatória a queixa. Pena: 6 meses a 3 anos de reclusão

Idoso

Abandonar idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas. Pena: 6 meses a 3 anos de prisão

Terrorismo

Causar terror na população com fim de forçar autoridades, financiar grupos armados, motivadas por preconceito de raça, cor, entre outros. Pena – 8 a 15 anos de prisão

Eventos esportivos ou culturais

Promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores. Pena: 1 a 2 anos de prisão.

Progressão de regime

A progressão para um regime menos gravoso (semiaberto ou aberto) leva em conta o bom comportamento carcerário, e aumenta o tempo de pena a ser cumprido

Crimes de licitações

Dispensar ou inexigir licitação, fora das hipóteses previstas em lei. Pena: de 3 a 6 anos de prisão

Tráfico de drogas

Não há crime se a pessoa adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal. Também se semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal

Intimidação vexatória, o "bullying"

Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de superioridade e causando sofrimento. Somente se a vítima representar. Pena: prisão de 1a 4 anos

Enriquecimento ilícito do servidor

Adquirir, vender, alugar, entre outros, valores ou bens móveis ou imóveis que sejam incompatíveis com os rendimentos. Pena: 1 a 5 anos de prisão.


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