Jóias preciosas

A CPI do Cachoeira e seus anéis

“Primeiro, os partidos identificarão os anéis que entregarão para não perder os dedos. Se não forem suficientes, então: falange, falanginha, falangeta”
Por Congresso em Foco 26/04/2012 - 10:38

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“Vão-se os anéis, ficam-se os dedos”, diz um dito popular usado quando alguém abre mão de alguma coisa, mesmo que valiosa, para preservar algo ainda mais valioso ou vital. Como comentamos aqui na semana passada, a recém-instalada CPI do Cachoeira assemelha-se a um carro desembestado que alguém resolveu empurrar ladeira abaixo. Onde vai parar, só Deus sabe.

 

Carro desembestado que é, corre o risco de atropelar indiscriminadamente os incautos pelo caminho. De um lado e de outro da pista, seja na calçada governista seja na calçada oposicionista. Ao resolverem empurrar juntos o carro, oposicionistas e governistas apostaram na possibilidade de estragos que poderiam causar ao lado oposto. Não os menosprezem. Como se repete há muito tempo com relação ao Congresso (confesso que não sei quem é o autor da frase): “O mais bobo se elegeu deputado federal”. Assim, quando resolveram dar início à CPI, os líderes governistas e oposicionistas já tinham uma noção bastante razoável de quem, pelo menos inicialmente, pelo que já se sabe das investigações da Polícia Federal, poderia ser atingido. E fizeram seus cálculos. E, ao que tudo indica, já começaram a definir que anéis vão aceitar entregar para não perder os dedos.

 

São cálculos arriscados, uma vez que a CPI só começa e as investigações da PF são só o início do caminho. Assim, não são desprezíveis as possibilidades de mãos decepadas de um lado e de outro. Mas a verdade é que há sempre uma margem de controle sobre o que acontece no Congresso. A experiência demonstra que há sempre um momento em que os nobres pares da Câmara e do Senado sentam-se e determinam o ponto em que vão parar a brincadeira.

 

Voltemos à CPI dos Anões do Orçamento, o primeiro momento em que o Congresso resolveu, como dizia à época, “cortar na própria carne”. Na hora de definir a lista dos deputados e senadores que teriam a cassação recomendada pela CPI, aconteceram reuniões várias para incluir alguns e livrar outros. Na época, o PFL entregou logo a cabeça do líder João Alves – porque não havia como defendê-lo –, mas permitiu que o chefe dos anões renunciasse para não ser cassado. Teve mais espírito de corpo que o PMDB, e conseguiu, na ocasião, ver menos dos seus cassados que os peemedebistas. O único senador à época enrolado, Ronaldo Aragão, foi preservado por seus pares. Ao final da CPI, também num grande acordo, resolveu-se não investigar os corruptores – os grandes empresários, especialmente da construção civil –, prometendo-se uma outra CPI para isso, que até hoje não houve.

 

Na CPI dos Correios, que investigou o mensalão, acertou-se a cassação de José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ). Aquele identificado como chefe do esquema e o outro o delator. Um pra cada lado. Um a um. Empate. O resto encaminhou-se para a Polícia Federal e o Ministério Público, o resultado é o volumosíssimo processo que será julgado este ano pelo Supremo Tribunal Federal, com 38 réus.

 

Já começam a se vislumbrar os anéis que deverão ficar pelo caminho. O primeiro deles – o senador Demóstones Torres (sem partido-GO) –, a oposição até já tirou do dedo. Demóstenes não é mais do DEM e só não se pode dizer que já está cassado porque a votação é secreta. Ao dizer candidamente que não sabia das atividades ilícitas de Carlinhos Cachoeira no plenário, Demóstenes mentiu, como se verificou nas conversas grampeadas. Em tese, não precisa se provar mais nada. Mentir em discurso no plenário é quebra de decoro. Foi o que cassou Luiz Estevão.

 

Dois anéis já despontam de um lado e de outro: os governadores Agnelo Queiroz, do PT do Distrito Federal, e Marconi Perillo, do PSDB de Goiás. As investigações mostram Cachoeira tentando se entranhar nos dois governos. Os dois governadores enrolam-se para explicar as relações. A Procuradoria-Geral da República já pediu abertura de inquérito contra Agnelo. Marconi já admitiu que Cachoeira, de fato, devia mesmo ter influência sobre alguns setores de seu governo, embora negue envolvimento pessoal. São os dois anéis mais visíveis no momento. Outros poderão aparecer. Se não forem suficientes, então teremos: falange, falanginha, falangeta.


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