PANDEMIA

Credibilidade da Saúde fica abalada com interferência de Bolsonaro

Por Com Reuters 10/06/2020 - 15:03

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Credibilidade da Saúde fica abalada com interferência de Bolsonaro
Credibilidade da Saúde fica abalada com interferência de Bolsonaro

Depois da saída de dois ministros da Saúde desde o início da epidemia de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu finalmente levar à pasta uma equipe alinhada com seus desejos: do tratamento com cloroquina à mudança na divulgação de dados da epidemia, o grupo montado pelo general Eduardo Pazuello, ministro interino, acata sem problemas as ordens presidenciais.

As mudanças na divulgação dos dados de novos casos e óbitos da epidemia, que jogaram o governo Bolsonaro de novo nos holofotes mundiais como uma tentativa de esconder a gravidade da epidemia foi, de acordo com uma fonte, mais um pedido do Palácio do Planalto. Primeiro, na mudança de horário, para as 22h —como o próprio presidente confirmou, para escapar do Jornal Nacional— e depois, para tentar mostrar que o número de mortes não estava crescendo como se dizia. No mês de junho, o país teve dois recordes seguidos de mortes, com 1.349 mortes registradas no dia 3 de junho e 1.473 no dia 4.

A repercussão negativa das alterações fez com que o ministério recuasse, e uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o ministério voltasse ao modelo de divulgação completa. No entanto, essa foi apenas a mais recente mudança polêmicas na rota do ministério desde que Pazuello assumiu. A primeira delas envolveu a causa direta do pedido de demissão de Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo.

Poucos dias depois da sua saída, Pazuello, mesmo antes de ser nomeado ministro interino, colocou na rua as orientações para uso da cloroquina no tratamento de casos iniciais da Covid-19, apesar da falta de eficácia comprovada para tratar a doença. Sem condições de fazer um protocolo médico com base científica, o ministério fez um “guia” para uso no Sistema Único de Saúde (SUS).

A complacência da nova equipe da Saúde tem ligação direta com o desmonte dos quadros técnicos de segundo escalão, na avaliação de fontes ouvidas pela Reuters. Com a saída de Henrique Mandetta, quatro de seus principais secretários deixaram os cargos logo depois da transição. Wanderson de Oliveira, então secretário de Vigilância em Saúde e principal nome no combate à epidemia, ainda permaneceu um período, mas saiu de férias e deixou definitivamente a pasta há cerca de duas semanas.

“Problema não era o ministro Teich, não era o ministro Mandetta, não era o Wanderson. O problema não eram as pessoas, era a versão dos fatos para se construir uma notícia. Estão usando da credibilidade do Exército para isso, e os militares estão se prestando a esse papelão”, disse à Reuters o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

De todos os principais cargos de segundo escalão do ministério, a secretaria-executiva foi confirmada nas mãos do coronel do Exército Élcio Franco e, na semana passada, um indicado do centrão, o professor de farmacologia Arnaldo Medeiros, passou a ocupar a Vigilância em Saúde. Um outro militar, o coronel Luiz Otávio Franco Duarte, foi nomeado para a Secretaria de Atenção Especializada em Saúde. Os demais ainda estão nas mãos de substitutos.

Outros cerca de 20 militares hoje ocupam vagas nas secretarias e na assessoria direta de Pazuello.

Em fala durante a reunião ministerial nesta terça-feira, Pazuello disse que toda a equipe está escalada e seriam todos médicos. As nomeações, no entanto, ainda não aconteceram.

“Eles desmontaram o ministério. Não procuraram pessoas com vocação para as áreas. Foi um negócio assim ‘temos aqui uns 30 generais, coronéis, vamos colocar esses 30 caras. E foram encaixando”, disse à Reuters uma fonte que acompanhou o processo de transição no ministério.


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