CORONAVÍRUS

Emoções manipuladas, nova geopolítica e avanços na Medicina estão na história das epidemias

Douglas Apratto: 'Pestes ou pandemias são momentos de desarrumação psicológica. E também de surgimento de um mundo novo'
Por Odilon Rios 16/05/2020 - 09:30

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Agência Alagoas
O historiador Douglas Apratto
O historiador Douglas Apratto

Grandes epidemias na história da humanidade também trazem mudanças na geopolítica do mundo e avanços na Ciência, principalmente na Medicina. Mas elas também mexem com as emoções dos homens, que podem ser manipuladas por quem domina os instrumentos de poder.

Seja na Grécia antiga ou nestes tempos de Covid-19, o cenário é bastante semelhante: as teorias de conspiração, os remédios absurdos e a responsabilização de grupos ou raças pela doença - como os gregos culpavam os escravos pela peste de Atenas ou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diz que a China inventou o Coronavírus no laboratório.

As análises são do professor de História e vice-reitor do Cesmac, Douglas Apratto Tenório, 75, ele próprio descendente da primeira geração dos sobreviventes da gripe espanhola, que entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020 matou 50 milhões de pessoas no mundo.

Douglas Apratto Tenório é de São Miguel dos Campos e desde pequeno ouvia as histórias do pai e da mãe sobre a "Gripe de 1918", como também era conhecida a doença. "Meus pais não assistiram, nasceram depois dela, mas eles falavam desta pandemia e da quantidade de familiares nossos que morreram tanto na Itália quanto no Rio Grande do Sul. Vários tios meus tiveram de voltar ou para a Itália ou para o Rio Grande do Sul porque perderam todos os filhos e netos", explica.

Em Maceió, o cemitério de São José foi construído para enterrar os mortos da Gripe Espanhola. E mais de 100 anos depois, a Prefeitura de Maceió começou a abrir, esta semana, mais covas, desta vez para receber os mortos de outra pandemia: a do novo Coronavírus.

Conspiração e maluquices

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diz que a China criou o vírus da Covid-19 em laboratório para dominar o cenário econômico no mundo. Ele é candidato à reeleição e sente a perda da supremacia americana para os chineses.

No Brasil dos tempos de Covid-19, o Ministério Público Federal abriu investigação contra o pastor da Igreja Mundial do Poder de Deus Valdomiro Santiago. Ele vendeu sementes de feijão a R$ 1.000 para curar o covid-19. E ainda não existe cura para o Coronavírus nem provas científicas da eficácia do “feijão milagroso”. 

"Pestes ou pandemias são momentos de tensão, de desarrumação psicológica. E também existe o surgimento de um mundo novo, com uma outra geopolítica", afirma o historiador alagoano Douglas Apratto Tenório.
Na primeira eeste em Atenas (também conhecida como a Peste do Egito), em 430 a.C- provavelmente febre tifóide - a elite acreditava que os escravos eram culpados pela doença. Eles foram massacrados.

Esta epidemia está registrada em "História da Guerra do Peloponeso", de Tucídides, e matou um terço da população. Tucídides, inclusive, falava de algo pior que a pandemia: o desespero das pessoas ao descobrirem que estavam doentes: "Aqueles que estavam convencidos de que não tinham esperanças se rendiam muito mais rápido e morriam".

Mas, esta peste gerou interesse especial em um jovem. Ele começou a ouvir e anotar depoimentos de doentes e curados, formulando suas primeiras hipóteses. Dormir bem, fazer uma dieta específica ou exercícios ajudavam na cura.

Este jovem era Hipócrates, que mais tarde seria conhecido como o pai da Medicina. "Até hoje os conselhos dele permanecem. Exercício, boa alimentação, banho de sol", explica o professor Douglas Apratto Tenório. No século 14, a Peste Negra (matou 25 milhões de pessoas) era atribuída às mulheres e à falta de fé dos homens, que terminavam no castigo divino. Muitas mulheres eram queimadas nas fogueiras, associando a doença transmitida pela pulga do rato à bruxaria.

Um século depois, Dom Henrique, vestido no manto de Cristo, rendeu-se à ciência das navegações. E Portugal atingiu a vanguarda na descoberta de novas terras. Depois da peste, a geopolítica no mundo se alterava para sempre. Homens vieram para as Américas. E trouxeram vírus e bactérias que exterminaram milhares de índios, vulneráveis às doenças que se espalhavam pelo continente europeu.

"Um novo quadro geopolítico vai surgir. Na política brasileira, vemos extrema tensão, ainda é temerário arriscar qualquer palpite quando a gente ainda não sabe sobre vacinas. Muitos profissionais da saúde estão sendo abatidos ou contagiados. Fato é que o homem está diante de sua própria finitude. As pandemias são provocadas pelos homens e por inimigos mais antigos que ele mesmo, os vírus e as bactérias. Daí vemos a ciência na busca de um caminho para a cura, a vacina. Temos de nos render à ciência, mas isso expõe a fragilidade dos homens. Outras gerações passaram por isso e a vida continuou depois. Sou otimista e humano. Demasiado humano”, encerra o professor.

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