Bonecos de ventríloquo

Por 09/11/2011 - 00:00

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Denominada de Gastromancia pelos antigos gregos, a ventriloquia, naqueles tempos, era associada à necromancia e feitiçaria. Só a partir do século XVI toma o sentido lúdico e circense de hoje.

O principal artifício do ventríloquo é o de falar com a boca cerrada ao tempo que manipula um boneco; induzindo a extasiada plateia a crer num verdadeiro diálogo entre os dois.
Em moderna versão, temos nas letras, o ventríloquo redator e o boneco subscritor; um redige e o outro publica o texto como seu. Agora, em vez do espetáculo infantil, num poeirento tablado mambembe, eles se apresentam em diários ou semanários ou até mesmo em livros, iludindo incautos e cândidos adultos, impossibilitados de julgar a capacidade intelectual do boneco subscritor.

Ao contrário da maioria, não ouso taxar os modernos bonecos de ventríloquo com o pejorativo título de estelionatários intelectuais. Não vejo na conduta destes o elemento nuclear do tipo penal: obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita. Aliás, não posso nem falar em conduta pois, uma vez bonecos, não possuem qualquer tipo de personalidade. Nosso novo boneco apenas se presta a uma ação que poderá até lhe trazer prejuízos, se desmascarado. Sua alegria é um mimo ao manipulador, ao dono do espetáculo a que serve.

No máximo, o brincante boneco, acrescenta à sua vaidade apenas uma falsa camada de verniz de saber. No entanto, como diria o grande Nelson Rodrigues, tremerá nos sapatos ao imaginar, um dia, sabatinado sobre sua publicação, sem ter por perto o socorro da voz do dono. Entre os tais, encontram-se, com certeza, autores de todos os tempos. De um momento para outro, surgem eles de um abissal anonimato, para a posição de assíduos frequentadores das listas dos dez mais lidos. De repente, numa inexplicável explosão de cultura e criatividade, publicam seguidos best selers.

Como em tudo, também na ventriloquia intelectual existem os grandes e os pequenos.
Nossos bonecos de pequena grandeza, os feitos de madeira ruim e cordões podres, num estilo ensebado, deitam falação sobre filosofia, confundem prerrogativas da democracia com a própria democracia. Enfim, são sofistas desconjuntados e enroscados nos próprios cordames.

Citam Sócrates, Platão e Aristóteles como se fossem colegas da caixa de brinquedos em que repousam. Mas, questionados sobre os mesmos, saem-se com disparates como: afirmar ter sido o alcoolismo a causa do fim da carreira do grande Sócrates, citar Platão como amigo do Cebolinha e Aristóteles como o grego que um dia foi casado com Jacqueline Kennedy.
Por isso, nunca acredite cegamente no que foi publicado. Ali poderá estar um desses novos bonecos de ventríloquo, usando a criatividade alheia como sua. Aquela vasta cabeleira intelectual com que se apresenta, poderá não ser autêntica, mas sim uma falsa e sebosa peruca de saber alheio.

Ou seja, frente a tudo que lhe apresentam, exercite sempre o questionamento crítico; nunca embarque na crença cega, sem antes bem examinar.

A sadia análise crítica, lhe poupará da estéril repetição de falas e ideias alheias e evitará sua transformação em replicante boneco de ventríloquo.

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