VELHO CHICO

Salinidade coloca em risco uso das águas para consumo humano

Estudo da Ufal mostra prejuízos das baixas vazões adotadas nas barragens de Três Marias e Sobradinho
Por Tamara Albuquerque 02/05/2021 - 08:07

ACESSIBILIDADE

Divulgação
Rio continua ameaçado pela ação do homem
Rio continua ameaçado pela ação do homem

O São Francisco é estratégico para o Nordeste, pois responde por 70% da disponibilidade hídrica superficial na região. Possui vazão média de 2.900 m3 /s, que se enquadra na tipologia de rio de médio a grande porte e apresenta relevância ecológica, econômica e social, sendo utilizado para a geração de energia elétrica, irrigação, navegação, abastecimento de água, aquicultura, pesca e lazer. Apesar de sustentar todas essas atividades, o rio continua ameaçado pela ação do homem, que polui e faz uso indiscriminado de suas águas.

As represas são exemplos de iniciativas que provocam profundo impacto ambiental no São Francisco. Essas barragens instaladas na parte alta da bacia do rio, como Sobradinho, Xingó e Itaparica, geram praticamente 100% da energia utilizada no Nordeste, mas alteram as vazões e reduzem os fluxos mínimos, ameaçando a qualidade da água. Uma consequência dessa interferência no sistema de vazão do rio é o aumento da salinidade.

Nos últimos anos, o avanço da cunha salina tem sido intenso e ameaça inviabilizar a utilização das águas do São Francisco para fins de irrigação e abastecimento humano, com prejuízos não restritos apenas aos municípios ribeirinhos, mas a todos que utilizam essas águas para consumo, como é o caso de 70% da população de Aracaju, em Sergipe.

As águas do Rio São Francisco nos municípios de Piaçabuçu, em Alagoas, e Brejo Grande, em Sergipe, já se encontram em processo de salinização.

Essa mudança de água doce para água salobra tem interferido nas atividades socioeconômicas dos ribeirinhos e provoca mudanças também na biodiversidade, com impactos nos recursos pesqueiros. Essas informações estão contidas no livro “O Baixo São Francisco: características ambientais e sociais”, editado pela Universidade Federal de Alagoas, e que revela o trabalho das duas primeiras expedições científicas sobre a região do Baixo rio São Francisco, ocorridas nos anos de 2018 e 2019.

Entre outros objetivos, as expedições buscaram contribuir para o entendimento da variação dos teores de sais nas águas do São Francisco, por meio de análises de amostras coletadas ao longo de pontos localizados em diferentes municípios sob a condição de maré alta. O que se viu com os resultados é preocupante.

A partir de 2012, dizem os organizadores da obra lançada em 2020, Emerson Carlos Soares, José Vieira Silva e Rafael Navas, sucessivos anos com chuvas abaixo da média anual levaram os órgãos gestores de recursos hídricos -, neste caso, a Agência Nacional de Águas (ANA) e de produção de eletricidade, Operador Nacional do Sistema (ONS)-, a aumentar a condição de armazenamento dos reservatórios, por meio da redução de vazões afluentes diárias máximas, principalmente nas barragens de Três Marias e Sobradinho, que determinam o funcionamento de todo o sistema.

Ocorre que a manutenção das vazões em valores tão baixos durante períodos tão significativos (de 2012 a 2019) contribuiu para o aumento da capacidade de avanço das águas marinhas no leito do São Francisco e na sua foz, em Piaçabuçu, bem como com a redução da condição diluidora e depurativa das águas, elevando as concentrações de sais e poluentes.

A avaliação da salinidade da água do São Francisco ocorreu na região do Baixo São Francisco (BSF) entre os estados de Sergipe e Alagoas, cobrindo uma área de 25.500 quilômetros quadrados, onde vive uma população de cerca de 1,5 milhão de habitantes, dos quais 440.000 residem em áreas ao longo do rio. Foram visitados os municípios de Traipu, Porto Real do Colégio, Igreja Nova, Penedo, Neópolis e Piaçabuçu, usando o lado alagoano como referência.

O trabalho mostrou que as águas coletadas em ambas as expedições, tanto em superfície quanto no fundo, na extensão do município de Traipu até o município de Penedo, foram enquadradas como “águas doces”, águas com salinidade igual ou inferior a 0,5‰, segundo a Resolução Conama nº 357, de 17 de março de 2005. Nesse trecho do rio as águas foram consideradas adequadas para uso na irrigação e para consumo humano.

“Apesar dos valores encontrados indicarem boa qualidade da água em relação ao parâmetro salinidade, é possível destacar que o uso não racional da água para fins de navegação e irrigação, por exemplo, além do despejo inadequado de efluentes domésticos, pode tornar esse corpo hídrico com águas impróprias para consumo”, afirmaram os cientistas.

Segundo o livro, o uso da água para fins de irrigação e aquicultura na região do Baixo São Francisco apresentam potencial de provocar alterações nos recursos hídricos, devido ao uso em excesso de água na área irrigada. O excesso estaria provocando escoamento superficial e, também, pelo uso de sais solúveis, fertilizantes e agroquímicos, arrastando seus componentes para o corpo d’água, podendo favorecer o processo de degradação da qualidade da água do rio.

Nos pontos de amostragem no Rio São Francisco em Piaçabuçu e Brejo Grande, as águas coletadas em superfície e em profundidade foram enquadradas como “águas salobras”. Na conclusão da avaliação das águas, os cientistas orientam sobre a necessidade de se estabelecer uma rede de monitoramento da qualidade das águas, relativa aos teores de sais, de forma a um melhor entendimento das relações entre as vazões do rio, regidas pelas liberações dos reservatórios, e o alcance da cunha salina ao longo de seu curso.

Publicidade


Encontrou algum erro? Entre em contato