Bairros que afundam

Burocracia exigida pela Braskem pode inviabilizar indenizações

Empresa estaria tratando o processo de compensação financeira como aquisição de propriedade
Por Redação 17/12/2020 - 18:28
Atualização: 18/12/2020 - 09:10

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Divulgação
Israel Lessa, líder do movimento  Luto por Bebedouro
Israel Lessa, líder do movimento Luto por Bebedouro

O anúncio de um novo mapa de risco e compensação financeira da Braskem foi recebido com muita expectativa pelos moradores das áreas afetadas pela mineração, mas ao verem seu teor, receberam um verdadeiro ‘balde de água fria’. O clima agora é de mais desolação, abandono, injustiça e incertezas nas áreas que ficaram de fora do mapa, a exemplo do Flexal de Baixo e de Cima, em Bebedouro, onde menos de 20% dos imóveis que já mostram avarias severas em suas estruturas foi incluída para análise.

“O Flexal de Baixo, Flexal de Cima e a rua Marquês de Abrantes, foram incluídos apenas parcialmente no mapa, e ainda como área de monitoramento, quando as evidências mostram que toda a área está comprometida, já que há danos aos imóveis. As pessoas precisam ser levadas em conta: são seres humanos, não prédios ou números de processo. Também é necessário considerar o dano socioeconômico, uma vez que sendo desocupada apenas a área indicada no mapa, as residências que permanecerem fora dele ficarão completamente isoladas do restante da cidade, sem acesso a serviços públicos, comércio, transporte, posto de saúde, escolas. Faço uma comparação como se estivessem fechando um porto e deixando a população isolada em uma ilha”, afirma o líder do movimento Luto por Bebedouro, Israel Lessa.

Um exemplo de dano socioeconômico é o Colégio Santa Amélia, em Bebedouro, que não entrou no novo mapa. Diferente do Colégio Batista de Bebedouro, que entrou nesse novo mapa de monitoramento. Qual a distância entre eles? Eles ficam praticamente de frente um para o outro na Ladeira Professor Benedito Silva. Um absurdo!

Burocracia

Quem conseguiu ser incluído na compensação financeira também tem enfrentado uma verdadeira via-crucis, principalmente os mais pobres. Israel Lessa alerta que várias famílias sequer conseguirão receber as indenizações, dada a burocracia exigida pela mineradora para que o pagamento seja feito.

“Das áreas que já foram desocupadas, no Pinheiro, Bom Parto, Mutange e Bebedouro, e que já entraram na fase de compensação financeira, estamos questionando o excesso de burocracia que a Braskem impõe. Ela somente indeniza após a completa regularização do imóvel e obtenção de um título de propriedade registrado em cartório (escritura pública, contrato particular registrado, usucapião, posse legal, formal de partilha, etc). Muitos imóveis não possuem esse título e sua obtenção demandará muita burocracia e, consequentemente, muito tempo (podendo se arrastar por anos, nos casos que envolvem muitos herdeiros). Outro fato importante é que o proprietário precisa recolher todos os tributos para regularizar seu imóvel (ITBI, ITCD e IPTU), ou seja, somente recebe indenização após pagar os impostos e a maioria das pessoas dali não tem recursos para isso”, denuncia o líder do Movimento Luto por Bebedouro.

Israel Lessa destaca que a Braskem está tratando o processo de compensação financeira como aquisição de propriedade e, por isso, condiciona à referida documentação. “O que ocorre de fato é uma indenização, que, em tese, exige apenas a prova da legitimidade e não a regularização documental. Há solução jurídica para isso: a cessão de direitos hereditários e da posse ‘ad usucapionem’, por exemplo, são instrumentos jurídicos legítimos, que agilizariam as indenizações e resguardariam o direito da Braskem sobre as propriedades, ficando a empresa, e não o morador, responsável pela burocracia. O Ministério Público Federal conhece esses mecanismos e precisa agir em favor do povo. Ajudando quem ainda não foi incluído na compensação e agilizando juridicamente para o recebimento das indenizações sem tanta burocracia e com mais celeridade”, lembra.

Em um dos casos, o imóvel foi comprado da antiga Cohab, a proprietária faleceu e tinha apenas uma herdeira. Desde julho o advogado que defende essa herdeira tenta ajudá-la a receber a indenização. Foi necessário fazer o registro do contrato de compra e venda da proprietária com a CARHP, o que implicou em pagar ITBI e batalhar mais de um mês no cartório de registro de imóveis (entre protocolo, exigências e burocracia, inclusive apresentar certidão de quitação de condomínio). O registro do imóvel ainda não saiu. Após esse procedimento, será necessário fazer o inventário, registrar a escritura pública de partilha. Detalhe: o imóvel já foi demolido pela Braskem e será necessário registrar, inventariar e registrar novamente um bem que já nem existe mais.

Até os advogados que estão defendendo os moradores das áreas afetadas estão sendo prejudicados. “Definiram 5% de honorários aos advogados dos moradores, para assisti-los no programa de compensação financeira, e nós fizemos contratos de prestação de serviços considerando apenas isso. A Braskem está nos submetendo a trabalhar em inventários, usucapião e outros serviços que não estavam previstos quando contratamos com os clientes. Para não deixar o morador desassistido, acabamos fazendo todo o serviço. Estão usando os advogados particulares dos moradores como despachantes da empresa. Tenho conversado com colegas que têm situação idêntica em toda a área”, explica o advogado Bruno Araújo, que tem clientes no bairro de Bebedouro.

Confira o mapa na galeria de arquivos

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