MOBILIDADE URBANA

Faixa Azul devolve ao cidadão 15 minutos de vida no caos do trânsito

Prioridade no tráfego facilita deslocamento de 280 mil passageiros por dia em Maceió
Por Bruno Fernandes e Josué Seixas 19/09/2020 - 05:15
Atualização: 19/09/2020 - 05:35

ACESSIBILIDADE

Pei Fon/ Secom Maceió
Desde 2014 Maceió conta com faixas exclusivas para o transporte público
Desde 2014 Maceió conta com faixas exclusivas para o transporte público

Depender de transporte público, em Maceió, nunca foi fácil. Para Beatriz Mayra, que trabalhava no Centro e precisava ir à Universidade Federal de Alagoas (UFAL) todos os dias, os quase 16 quilômetros de distância eram o maior desafio de uma rotina já difícil. Estudante de História, Beatriz aproveitava para ler no trajeto que só ganhava um pouco de velocidade quando chegava à Avenida Fernandes Lima.

Na avenida, as coisas ficavam mais fáceis. Surge a Faixa Azul, ganha-se tempo. Os ônibus e os carros não precisavam competir por espaço, o que acontece em boa parte das vias de Maceió. “A Fernandes Lima é um caos”, lamenta Beatriz. Ela via, todos os dias, os problemas do trânsito: carros apinhados, acidentes e interdições que dificultavam ainda mais a locomoção. Passava por eles estando dentro do ônibus, na companhia de muitos alunos rumo à UFAL. 

Desde 2014, a cidade de Maceió conta com faixas exclusivas para o transporte público. No total, são 30 km (ida e volta), iniciando da Avenida Tomás Espíndola, no Farol, até a rotatória da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e na Avenida Comendador Leão e Dona Constança, no bairro do Poço. As faixas, além de priorizar o transporte mais utilizado pela população, ainda diminuíram, em média, 15 minutos o tempo de viagem de aproximadamente 280 mil passageiros que diariamente utilizam o Sistema Integrado de Mobilidade de Maceió (SIMM), nas linhas que passam pelos corredores exclusivos.

Amada por alguns e duramente criticadas por outros, a única certeza entre urbanistas e engenheiros de trânsito é que a Faixa Azul é essencial, mas precisa ser atualizada para dar conta da nova frota de veículos que circulam em Maceió. Um paralelo é possível ser montado entre o corredor exclusivo e os antigos bondes que andavam nas cidades. Em Maceió, os bondes circulavam no século XIX e a maioria da população se deslocava por meio deles. O veículo tinha a prioridade dele no espaço, com o trilho demarcado, assim como acontece hoje com os ônibus.

Faixa exclusiva para ônibus é considerada essencial por urbanistas

Com o tempo, o transporte coletivo foi perdendo o espaço dele no trânsito. Os bondes foram substituídos pelos ônibus; então, o ônibus foi tratado como se ele fosse só mais um veículo ali, no meio da selva de carros. “Os carros congestionam as vias, porque a frota da cidade aumenta conforme a densidade populacional aumenta. Assim, o transporte coletivo perde a prioridade que ele sempre teve no passado, quando ele era um bonde ou trem”, explica o urbanista Daniel Moura Soares.

Uma solução simples e sem custos exorbitantes

Para Moura, apesar da Faixa Azul ser benéfica, existe uma falha. “Além de ela não ter se expandido para outras regiões da cidade, já que está restrita à Fernandes Lima, Durval de Góes Monteiro, Dona Constança e Comendador Leão, não houve uma reorganização no sistema de ônibus da cidade. Então, por exemplo, cerca de 50% das linhas passam na Fernandes Lima”, disse. 

O ideal, segundo o especialista, seria a criação de um sistema tronco-alimentado. Nele, bastaria ter apenas uma única linha na Fernandes Lima que seria alimentada por outras linhas transversais que fizessem a ligação com os bairros, como Bebedouro, Pitanguinha, e outros que margeiam a Fernandes Lima.

“Se eu estou na Fernandes Lima esperando um ônibus e quero ir para a Ponta Verde, eu tenho que pegar exatamente o ônibus que vai para a Ponta Verde. Em um sistema troncal, ao chegar na Fernandes Lima, eu posso pegar qualquer ônibus para chegar até a baldeação, que é onde eu pegarei outra linha para ir ao meu destino”, explica Moura sobre o sistema.

A preocupação em ter mais pessoas utilizando o transporte público se dá pelo fato dos ônibus transportarem 50 vezes mais pessoas que um carro em um dia comum. Em Alagoas, um carro transporta em média uma ou duas pessoas. Um ônibus consegue levar até seu destino 40 a 80 pessoas ocupando um espaço menor que os carros.

“O que se busca hoje é a ideia da cidade compacta, que é ter as pessoas morando próximas, com distâncias menores a serem percorridas, para que não se perca tanto tempo, não se gaste tanto combustível”, pontua o urbanista. Para que um sistema de entroncamento possa ser colocado em prática, um passo grande já foi dado pelas próprias empresas de ônibus: a bilhetagem eletrônica que permite realizar integrações de forma mais fácil.

Apesar de uma possível solução, mudanças ainda sofrem resistência por parte do poder público. “É uma questão de vontade política, de entender o transporte como um serviço público e não como uma mercadoria, já que ele hoje é vendido pela sociedade. É preciso do transporte coletivo para atingir o que se quer. Constitucionalmente, ele é um serviço essencial”.


Desafio revelou diferença entre meios de transporte

Durante os Desafios Intermodais, de 2011 a 2015, um grupo de especialistas colocou em prática um estudo simples. O objetivo era sair do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na Fernandes Lima, às 7h30, e ir até a Praça dos Martírios, no Centro, em meios de transportes diferentes: bicicleta, a pé, de ônibus, de táxi, e carro. 

O que se percebeu é que, nos primeiros desafios (pré-faixa azul), as pessoas que se transportavam com o ônibus sempre eram as últimas a chegar, principalmente as que andavam em cadeiras de rodas (já que poucos ônibus, na época, eram adaptados). 

Desafio mostrou diferença de tempo que os meios de transportes levam para percorrer o mesmo percurso

De acordo com os dados obtidos nesses estudos, depois que foi implantada a Faixa Azul, o tempo de transporte melhorou em até 15 minutos, mesmo havendo um aumento no número de veículos populares em trânsito na região. O aumento na frota de veículos adaptados para os cadeirantes também foi um fator crucial.

Na última edição, em 2015, assim como nas três últimas edições do DIM, a motocicleta foi a primeira colocada no quesito tempo, acompanhada da bicicleta que, utilizando a propulsão humana, chegou apenas 19 segundos depois do veículo motorizado de duas rodas. Se levados em consideração as despesas, a energia consumida e a poluição emitida, a bicicleta sagra-se campeã do desafio. A grande surpresa do desafio foi o skate, que ficou na terceira colocação, com um tempo de 17’ minutos e 47 segundos”, chegando antes mesmo do táxi, que fez o percurso em 18’ minutos e 6 segundos. Por conta da Faixa Azul, ônibus e táxi tiveram um grande ganho de tempo em relação aos anos anteriores. O táxi teve uma redução de 43% do seu tempo e o ônibus de 34%, se compararmos com 2013, quando não havia Faixa Azul.

Economia para empresas e melhor para o meio ambiente

A estudante de História, Beatriz Mayra, também analisava a Faixa Azul durante o seu trajeto. Apesar da faixa ser benéfica para a população, diz ela, “o trânsito não acontece só nas avenidas da parte alta. Ele liga toda cidade e teria maior eficácia se toda cidade tivesse essa alternativa”. 

Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Maceió (Sinturb), Guilherme Borges, o transporte por ônibus já compete diariamente com o grande volume de veículos pequenos. Com a criação das faixas, a manutenção e uma fiscalização que impede e coíbe outros veículos, os ônibus conseguem transportar passageiros de forma mais rápida e sem grandes congestionamentos.

“Se mais faixas exclusivas forem criadas, podemos conseguir reduzir o tempo de viagem de mais linhas do sistema de transporte de Maceió. Outro aspecto que a criação de mais faixas exclusivas pode proporcionar é a economia de combustível e consequentemente uma menor emissão de CO2 no meio ambiente”, explica Guilherme. Segundo o presidente, o sistema mecânico presente no ônibus é semelhante ao de qualquer outro veículo e “eles também registram menos consumo de combustível se as condições do trânsito forem favoráveis, sem congestionamentos”.

Apesar dos dados apresentados pelos urbanistas e pelo próprio Sinturb, em nota encaminhada ao EXTRA, a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) informou que “os 30 km de Faixa Azul existentes em Maceió atendem à demanda do transporte público da capital”. A SMTT esclareceu, no entanto, que de acordo com o avanço da infraestrutura viária em Maceió, novos estudos serão elaborados com o objetivo de ampliar a Faixa Azul para outras localidades da capital.


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