FAZENDA DUAS BOCAS

Procura-se juiz para julgar ação contra Álvaro Vasconcelos

Após quase 40 anos, TJ é que vai decidir qual juizado tem competência para assumir o caso
Por Maria Salésia 12/07/2020 - 08:28

ACESSIBILIDADE

Arquivo pessoal
Terras da Fazenda Duas Bocas, no complexo Benedito Bentes
Terras da Fazenda Duas Bocas, no complexo Benedito Bentes

Em 1984, o agricultor Antônio Candido José da Silva teve as terras da Fazenda Duas Bocas, no complexo Benedito Bentes, em Maceió, invadidas pelo empresário Álvaro Vasconcelos, que se defende ao afirmar que é o verdadeiro dono das terras. Acusações à parte, o que chama a atenção é que, embora dure quase 40 anos, o caso continua em banho maria e desta vez, caberá ao Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) decidir qual juizado tem competência para julgar o processo. 

Este é apenas mais um capítulo da novela “Duas Bocas”, já que não tem prazo para o final. Quem acompanha o enredo assistiu cena em que sentença foi proferida, embora o autor da ação estivesse morto. Viu em 2006 o juiz Ayrton de Luna Tenório anular tal decisão, acendendo a esperança dos herdeiros em reaver suas terras. Teve também o jogo de empurra com o troca-troca de juízes, cenas de acusações de ambos os lados e bastante torcida para que o desfecho seja feliz.

A lentidão da Justiça para julgar o processo instaurado há quase quatro décadas e que traz o aviso em letras vermelhas de “tramitação prioritária”, tem causado danos materiais, mas nada comparado à dor da perda do patriarca da família, que lutou para ter suas terras de volta e não conseguiu. É que em 2001 Antônio Candido não resistiu a tanta injustiça e morreu de desgosto, conforme afirma um dos filhos que prefere se manter no anonimato.

O herdeiro de Antônio disse que não sabe o que fazer para reaver suas terras e critica a mudança de juízes no caso. “Já está virando brincadeira. Ninguém quer julgar esse processo. Agora vai para o Tribunal para definir a competência de qual é o juiz que vai julgar a causa. Essas manobras são para procrastinar o processo. O senhor Álvaro Vasconcelos fica no conforto usufruindo da terra que não lhe pertence. Enquanto isso, os verdadeiros donos ficam na esperança de que um dia se faça justiça”, desabafou. 

O detalhe importante é que o processo 0005763-13.1984 tem prioridade de julgamento porque a viúva do agricultor já tem mais de 80 anos e a saúde é fragilizada. Porém, na prática, não é isso que acontece. O herdeiro lembra que o caso complicou quando o juiz Ayrton Tenório se aposentou, mas já tinha decretado para o réu (Álvaro Vasconcelos) pagar o perito que deveria fazer o levantamento topográfico das terras e apresentar laudo pericial com a nova linha demarcatória. 

Para surpresa dos herdeiros de Antônio, o juiz substituto Henrique Gomes de Barros mudou a decisão do juiz titular e determinou que o autor da ação é quem deveria pagar os honorários da perícia. Mais uma mudança para compor a coleção de juízes do caso. Dessa vez assume o juiz titular da 4ª Vara, Cícero Alves da Silva, que devido à Lei estadual nº 8176 se julgou incompetente mandando o processo para 29ª Vara Civil da Capital. Mas, o juiz também se julgou incompetente, encaminhando o caso para o TJ tomar providências. Até lá, o processo encontra-se suspenso. 

“Agora o Tribunal é que vai resolver só para atrasar o processo que já dura quase 40 anos. Fica neste jogo mudando de juiz e a sensação é de que essa ação nunca vai acabar”, reclamou o herdeiro.
A indignação da família e o descrédito se dão pelo fato de que logo após a invasão de suas terras, que contam com 150 hectares, Antônio Candido ajuizou uma ação contra o empresário denunciando a grilagem e pedindo reintegração de posse e nada foi feito. Sem contar que os vários juízes e desembargadores designados no processo se julgaram suspeitos de atuar no caso. Com esperança de que um dia justiça seja feita, os herdeiros seguem na luta.

Foram muitas provas de fogo e perseverança. Em 2001, depois de 16 anos de luta para rever seus direitos, a família de Antônio Candido assistiu ao juiz Antônio Manoel Dória julgar a ação improcedente e assim o processo chegaria ao fim se não fosse a persistência dos donos da terra. Embora o agricultor não tenha vivido para assistir a tal decisão, pois faleceu um ano antes, os herdeiros apelaram da sentença e o processo teve segmento. Em 2016 o juiz Ayrton Tenório anulou a sentença de Dória e ordenou a demarcação das terras. Isto depois de, em 2009, o escândalo ter ido a público ao parar nas mãos do CNJ. O descaso foi denunciado ao ministro Gilson Dipp, que recebeu dossiê das mãos da família do agricultor. 

O filho de Antônio Candido afirma que Álvaro Vasconcelos usa a argumentação de usucapião como meio de defesa, porque quer ganhar no grito. “Essa história mentirosa é argumento dele tentando justificar a atrocidade cometida ao invadir nossas terras. Ele não tem documentos, invadiu nossa área. Quer ser dono de uma coisa que não comprou. É acostumado a fazer isso. Eu provo com documentos que a terra é nossa, ele não prova nada. Prova disso é que na ação já houve até pedido de demarcação de terras. Se a gente não tivesse documento comprovando, isso não teria acontecido. Queremos apenas nossa terra, o que nos é de direito e foi tomado há quase 40 anos”, afirmou.

O EXTRA teve acesso a documentos que mostram que Antônio Cândido adquiriu parte das terras, “na propriedade Barra do Pratagy, antigo engenho Duas Bocas”. O documento apresenta ainda extensão da propriedade, limites, data e valor da compra, além de assinaturas dos antigos donos afirmando no ato da venda que receberam o dinheiro das mãos do comprador. 

“Ele invadiu as terras, botando as máquinas dentro de nossas terras e meu pai, homem simples, procurou a justiça e dura até hoje essa espera. Ele (Álvaro) é um dos maiores pecuaristas do estado desse jeito, tomando as terras do povo. Apesar da morosidade, acreditamos na justiça e temos esperança que um dia as terras voltem para seus verdadeiros donos. Só espero que minha mãe ainda esteja viva para ver”, disse o filho de Antônio.

Publicidade


Encontrou algum erro? Entre em contato