OBRA DE 27 ANOS

Canal do Sertão tira dos pobres para dar aos mais ricos

Terras já são negociadas por endinheirados e mineradora está de olho nas águas
Por Odilon Rios - Especial para o EXTRA 05/07/2020 - 09:43

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Divulgação
Plantação de milho no distrito Alto dos Coelhos
Plantação de milho no distrito Alto dos Coelhos

O Canal do Sertão aumentou a compra de terrenos localizados próximos à obra. Quem compra estas terras e tem mais dinheiro, também tem mais facilidade em conseguir empréstimos bancários para comprar material para plantação.

Um destes exemplos está no perímetro de Delmiro Gouveia, cuja cultura a ser desenvolvida é a do coco. Grandes indústrias de processamento de coco vão sendo contactadas e já mostraram interesse em ocupar estas terras. A Sococo é uma destas indústrias. Instalada em Maceió e referência no Brasil, a empresa tem ociosidade em sua planta industrial equivalente ao processamento do coco em 3 mil hectares.

Também é assim em Pariconha, cujo potencial é a agropecuária. Grandes empresas são contactadas, como Marfrig, Friboi e Frigorífico Independência.

Assim, a maior obra hídrica de Alagoas terá apenas uma pequena parte de seu potencial destinada à agricultura familiar.

“O agronegócio busca se expandir em todo o território, deixando suas marcas avassaladoras, pois o que necessita é a acumulação do capital e o estado a valorização da região, mediante grandes obras, como a apresentada que visa o uso de sua maior parte de irrigação destinada ao agronegócio e poucas áreas para o desenvolvimento da agricultura familiar”.

A conclusão é dos pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas Robson Xavier dos Santos (U fal/Sertão), Paloma Gomes Correia (Ufal/Sertão) e Ricardo Santos de Almeida (professor-bolsista do curso de Geografia da Ufal).

A pesquisa "Canal do Sertão de Alagoas: território destinado para o agronegócio?" está publicada no Diversitas Journal, edição janeiro/março deste ano.

"O Canal do Sertão, segundo o governo do Estado, seria destinado para a irrigação, beneficiando os pequenos agricultores e também as grandes empresas, sob o processo de valorização do território, onde a região se tornaria mais atrativa para o desenvolvimento das empresas do agronegócio e outras que se interessam por usufruir de um empreendimento grande que valoriza o território antes denominado atrasado e sem desenvolvimento", explica a pesquisa.

"As empresas buscam o melhor e mais vantajoso território para a sua instalação, onde ofereçam condições necessárias e o Estado prepara o ambiente, como o uso das águas do Canal do Sertão, que, de certa forma, não irá beneficiar diretamente o pequeno agricultor, mas as empresas no desenvolvimento do estado", analisa.

Coordenadora nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST), Débora Nunes disse ao EXTRA que o principal objetivo hoje do Canal do Sertão é atender à Mineração Vale Verde, entre Craíbas e Arapiraca. A empresa beneficia o minério de cobre.

"O Canal passa um pedacinho num assentamento, pega uma comunidade de pequenos agricultores", disse Nunes. "Temos denunciado, temos cobrado. É agricultura sim, mas não é para abastecer o pequeno. Não é para o sertanejo que produz historicamente para ter acesso à água. A ideia é reproduzir o modelo Juazeiro-Petrolina aqui no estado, inclusive com investimentos internacionais", analisa a coordenadora nacional do MST.

Para ela, não é problema pensar neste modelo, porém ele é excludente. “Prioriza-se um projeto e exclui-se o povo que vive e resiste no Sertão e é o que pode concretamente ajudar a desenvolver o nosso estado. Um desenvolvimento que inclua o povo, que inclua o pequeno, que garanta as condições para o nosso povo produzir”, explica Débora Nunes.

HISTÓRIA

A assinatura do primeiro contrato das obras do Canal do Sertão foi há 27 anos, em 23 de julho de 1993. São 10 mil hectares de faixa agricultável, 250 km de extensão (de Delmiro Gouveia, no Sertão, a Arapiraca, no Agreste). Mesmo com potencial extraordinário de produção, o Canal não alterou a realidade alagoana entre os sertanejos: dependemos de outros estados para comprar tomate, batata, macaxeira, inhame, batata-doce, cebola.

E as terras agricultáveis do Canal do Sertão têm capacidade para cobrir o mercado interno e, no futuro, transformar-se em polo de exportação.

Além disso, são muitos os escândalos de corrupção, superfaturamento, pagamento de propina envolvendo figurões da política alagoana. E as apurações andam tão lentas e sem prazo na Justiça quanto uma data para a conclusão das obras do Canal do Sertão.

Mesmo assim, nas campanhas eleitorais, o Canal é uma obra que sempre funciona e já abastece a agricultura familiar- tudo mentira, para atender as conveniências do momento.

Esta semana, o senador Fernando Collor escreveu nas redes sociais agradecimento ao presidente Jair Bolsonaro pela liberação de R$ 36 milhões para a obra que segue sem data para conclusão.

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