CLOROQUINA

Tratamento contra a Covid-19 se transforma em disputa política

Por José Fernando Martins 23/05/2020 - 09:52
Atualização: 24/05/2020 - 10:01

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Pandemia cresce no país
Pandemia cresce no país

A bipolarização da política brasileira foi atualizada. Agora, o país está com dois times: o que acredita na cura da Covid-19 a partir da cloroquina e da hidroxicloroquina e o que segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que vê com ceticismo o tratamento contra o Coronavírus a partir desses medicamentos. É a cloroquina versus a tubaína, conforme palavras do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O conflito de ideias e ideais também divide médicos do país. Em Alagoas, há os que apostam no protocolo de tratamento sugerido esta semana pelo Ministério da Saúde. Já outros preferem seguir o que dizem associações da própria categoria.

O cardiologista alagoano Luís Eduardo Lima faz parte dos profissionais que acreditam que a cura é possível a partir das polêmicas medicações. Em vídeo divulgado nas redes sociais, ele fez um apelo à população: “Se vocês procurarem por serviço médico e saírem de lá com a receita de um analgésico e vitamina C, não aceitem e procurem outro profissional. Ou entrem em contato comigo para receberem outra recomendação. É na primeira fase que se deve fazer o melhor tratamento, evitando que a doença passe pelas fases seguintes, até mesmo a internação em UTI”, disse.

Lima também destacou que não há tempo para esperar resultado de exames. “A perda do olfato se chama anosmia e a perda do paladar se chama ageusia. O que vocês têm que fazer é começar o tratamento de maneira imediata. Esperar o exame é uma balela. Estamos em pandemia e o diagnóstico é clínico. Vocês mesmos podem fazer, pelo que estou falando. O tratamento aceito pela maioria dos bons médicos e bons serviços é azitromicina, hidroxicloroquina, vitamina D e zinco”.

O coloproctologista e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Mário Jorge Jucá, também aderiu à campanha a favor da hidroxicloroquina e cloroquina para tratamento contra a Covid-19. Assim como o colega cardiologista, usou as redes sociais para defender o uso dos medicamentos. “Precisamos do apoio da sociedade nesse momento crítico, que terá maiores gravidades. Estamos recebendo os protocolos do município e Estado em que a hidroxicloroquina e a cloroquina só estão sendo colocadas para pacientes graves ou em grupo de risco. Sabemos que isso deve se dever à falta da medicação, mas temos que assumir que a recomendação é para todos, principalmente na fase precoce”, frisou.

“Já temos provas que hidroxicloroquina e a cloroquina competem com o vírus na célula, evitando sua multiplicação. As pessoas estão morrendo e isso pode ser evitado. Vamos nos unir e exigir isso. Estamos dispostos a ajudar, mas precisamos da sociedade para enfrentar essa situação”. E finalizou o vídeo com um questionamento: “Os medicamentos estão sendo indicados para pacientes em grupo de risco e graves. Então, por que essa indicação se a literatura diz que não há evidência nenhuma para ser usada? Precisamos ser coerentes. Se não tem nenhuma indicação, não deve ser usada em fase nenhuma”, finalizou.

OUTRO LADO

Luciene Alencar, médica hematologista, participou na quarta-feira, 20, de uma live no canal Médicas e Médicos pela Democracia Alagoas, no YouTube, que teve como tema o “Tratamento da Covid-19 e o uso indiscriminado de medicamentos”. De acordo com ela, o ideal seria uma medicação antiviral realizada na fase inicial da doença. “Pacientes na fase 2 deveriam usar medicamentos que reduzissem a atividade inflamatória do organismo para não evoluir para fase gravíssima”, destacou. A cloroquina e hidroxicloroquina, segundo a médica, impediriam que o vírus entrasse na célula.

“Foi visto uma ação in vitro, em laboratório, que esses medicamentos têm ação contra diversos vírus, contra zika, chikungunya e HIV. Mas não são usados em nenhuma dessas doenças. Diante de um quadro tão grave, fomos atrás de medicamentos que já foram testados, que apresentou efeito in vitro e que poderia ser utilizada nos seres humanos. Mas quando a gente ingere [o medicamento], ele passa por todo um outro processo, como metabolização e excreção, que pode alterar e muito a droga”, explicou.

Também participou da conversa Roberto Verçosa, médico cardiologista. “A cloroquina já derrubou dois ministros e agora temos um documento do Ministério da Saúde que recomenda o uso do medicamento também em casos leves. Temos visto pacientes chegando ao hospital tomando cloroquina, azitromicima, corticoide, entre outros. Vemos pacientes chegando em estado grave porque estavam tomando corticoide em fase de replicação final e agravam a doença. Enquanto isso, temos colegas médicos estimulando a automedicação, mandando que as pessoas tomem remédios. Precisamos deixar o campo político e trazer o fato para o campo da ciência”.

PARECER

Também essa semana, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), em documento publicado e encaminhado à imprensa, destacou: a recomendação para a hidroxicloroquina ou cloroquina é considerada fraca e com nível de evidência baixo. E citou algumas recomendações: “Sugerimos não utilizar hidroxicloroquina ou cloroquina de rotina no tratamento da Covid-19; sugerimos não utilizar a combinação de hidroxicloroquina ou cloroquina e azitromicina de rotina no tratamento da Covid-19; recomendamos não utilizar oseltamivir no tratamento da Covid, em pacientes sem suspeita de infecção por influenza; e sugerimos não utilizar antibacterianos profilático em pacientes com suspeita ou diagnóstico da Covid-19”.

Ainda segundo a SBI, as terapias que estão sendo utilizadas atualmente foram analisadas por um grupo de 27 especialistas que integraram uma “força-tarefa” formada pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira, pela Sociedade Brasileira de Infectologia e pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Uma das preocupações do estudo, além da possível ineficácia do tratamento, são os efeitos colaterais dos medicamentos. No caso da hidroxicloroquina, conforme a bula, o paciente pode desenvolver: depressão da medula óssea, anemia, anorexia, comportamento suicida, visão borrada devido a distúrbios de acomodação que é dose dependente e reversível e cardiomiopatia, que pode resultar em insuficiência cardíaca e em alguns casos com desfecho fatal.

Em Alagoas, assim como outros estados, para o paciente receber o tratamento precisa assinar, ou o responsável, um termo de termo de consentimento livre e esclarecido. Já o médico responsável também deve assinar um termo de declaração de que explicou detalhadamente ao paciente ou aos seus responsáveis legais acerca do tratamento e seus efeitos colaterais. O termo também deixa claro que o paciente também pode desistir do tratamento com cloroquina ou hidroxicloroquina.

Conforme a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), mais de 50% da cloroquina enviada ao estado pelo Ministério da Saúde entre 1º de abril e 19 de maio já foi distribuída aos pacientes. Dos 32.500 comprimidos recebidos, 16.440 unidades foram encaminhadas às unidades hospitalares da rede pública estadual, com indicação para administração sob orientação médica em pacientes necessariamente hospitalizados com as formas graves da Covid-19. Já em relação à hidroxicloroquina, o governo estadual informa ter destinado 22.959 comprimidos entre 1º de abril e 19 de maio para os pacientes em tratamento da Covid-19. Destes, 12.796 unidades já foram distribuídas – o que corresponde a cerca de 43% do total. Ainda há em estoque 15.060 comprimidos para serem entregues segundo a necessidade de cada unidade de saúde.

EX-MINISTROS

Os dois médicos que ocuparam o cargo de ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, apostas de Bolsonaro para chancelar a cura da Covid-19 com a hidroxicloroquina e cloroquina, preferiram sair do cargo. O maior medo, ao que tudo indica, foi de mancharem suas carreiras se tornando uma versão médica da economista Zélia Cardoso de Mello, que assumiu o risco de aplicar um desastroso plano econômico contra a inflação durante gestão do ex-presidente Fernando Collor. Após congelamento da poupança de grande parte dos brasileiros e a reação negativa da população, Zélia Cardoso precisou ‘espairecer’ nos Estados Unidos.


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