JULGAMENTO

"Meu depoimento foi montado pela Polícia Federal", diz coronel Cavalcante

Acusado de matar cabo Gonçalves, Cavalcante alega ser vítima de armação
Por Redação 22/08/2019 - 09:41
Atualização: 22/08/2019 - 17:36

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Sofia Sepreny
O advogado Givan de Lisboa, o ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante - o coronel Cavalcante - e seu irmão Marcos Antônio Cavalcante
O advogado Givan de Lisboa, o ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante - o coronel Cavalcante - e seu irmão Marcos Antônio Cavalcante

O ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante, conhecido como coronel Cavalcante, e seu irmão Marcos Antônio Cavalcante estão sendo julgados desde às 8h, desta quinta-feira, 22, no 1º Tribunal do Júri da Capital. Os réus são acusados de assassinar José Gonçalves da Silva Filho, o cabo Gonçalves, em maio de 1996.

A sessão é conduzida pelo juiz Sóstenes Alex Costa de Andrade, titular da 7ª Vara Criminal da Capital, que solicitou à Secretaria de Segurança Pública reforço policial no local e detector de metais.


Os réus já haviam sido julgados em outubro de 2011, sendo absolvidos pelos jurados. Após recurso do Ministério Público (MP/AL), a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) considerou que o júri decidiu de forma contrária às provas dos autos e determinou novo julgamento.

A primeira testemunha a ser ouvida foi Ana Maria Valença, irmã da vítima. Ela disse que de 1988 a 1996 lutou para o irmão se manter vivo. Segundo ela, o cabo Gonçalves sofreu várias emboscadas, numa delas perdendo parte da orelha. 

Ela alegou ainda que ele foi assassinado por ter se negado a matar o prefeito de Coruripe, à época, Eneas Gama.
Cabo Gonçalves estava num processo de reforma, devido um acidente, e nesse ínterim foi trabalhar de segurança para João Beltrão. Este, por sua vez, estaria determinado a matar o prefeito de Coruripe. 

Além de se recusar, segundo depoimento de Ana Maria, Gonçalves teria arrumado uma forma de avisar à vítima, o que teria provocado a indignação do mandante, que seria João Beltrão. "Meu irmão foi morto com mais de 70 tiros, eu não enterrei um homem, enterrei a metade de um", disse Ana Valença.

"Quando cheguei ao IML não permiti que ninguém da minha família entrasse e olhasse meu irmão. Um homem sem olho, sem orelha, despedaçado, só não tinha perfuração dos joelhos pra baixo". Ana Valença afirmou que os irmãos Cavalcante sempre a ameaçaram e que, nas vezes que havia julgamentos, carros pretos rondavam a casa dela, além de mandarem recados.

Ela ainda revelou que Cavalcante foi ao velório, chacoalhou o corpo e tentou agredir o cabo Gonçalves no caixão. E também teria Cavalcante puxado a pistola para atirar na irmã dela quando a mesma tentou afastá-lo e 'encostou' o sobrinho, de 13 anos, que morreu de infarto fulminante logo depois.

Os réus

No julgamento, os irmãos Cavalcante entraram em contradição com os depoimentos anteriores, em que confessaram com requintes de detalhes o plano para matar e a execução do cabo Gonçalves. Cavalcante disse que "o depoimento anterior foi todo montado na Polícia Federal". Disse que foi convidado a assumir com a garantia de que seria beneficiado com a liberdade e que o sistema queria era comprometer os deputados supostamente envolvidos.

Marcos Cavalcante, que havia confirmado a mesma versão do irmão, falou que assumiu participação no crime para ajudar o o coronel. "Vi meu irmão tão acabado que me fizeram a proposta para assumir o crime e eu aceitei para salvá-lo. Porque disseram que se eu assumisse que tinha matado, meu irmão sairia do presídio".

O caso

O crime ocorreu em 9 de maio de 1996, por volta das 11h, no Auto Posto Veloz, localizado na avenida Menino Marcelo, em Maceió. Marcos Antônio Cavalcante, acompanhado de outros acusados, teria efetuado disparos contra José Gonçalves, enquanto o coronel Cavalcante ficou em seu veículo, prestando auxílio aos executores.

De acordo com o depoimento de Cavalcante, a vítima, após se reformar da Polícia Militar, passou a trabalhar para o deputado estadual João Beltrão, praticando crimes, sobretudo homicídios. Após sofrer um atentado, teria atribuído ao até então seu chefe e passado a manter vínculos estreitos de amizade com o deputado estadual Francisco Tenório, o qual teria passado a lhe oferecer proteção.

Ainda segundo o ex-tenente-coronel, ao tomar conhecimento da proteção que a vítima e desafeto estaria recebendo de Francisco Tenório, resolveu solicitar a colaboração do deputado estadual, na época presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas, Antônio Albuquerque, a fim de solucionar aquele impasse, pois segundo João Beltrão, o cabo Gonçalves estaria vindo para Alagoas para assassiná-lo.

O ex-tenente-coronel Cavalcante disse ainda que Antônio Albuquerque articulou uma reunião em sua residência, em Limoeiro de Anadia, onde combinaram a execução do cabo Gonçalves, que seria atraído para a armadilha armada por Francisco Tenório e entregue para seu inimigo João Beltrão. No dia do crime, o cabo Gonçalves foi até a residência de Francisco Tenório, recebeu um vale para abastecer seu veículo no Auto Posto Veloz, e seu destino foi comunicado a João Beltrão para que fosse executado seu plano.

Foram acusados de participar do crime Paulo Ney de Moraes, Jaires da Silva Santos, Valdomiro dos Santos Barros, Talvanes Luiz da Silva, Eufrásio Tenório Dantas, Daniel da Silva Sobrinho, José Luiz da Silva Filho, Marcos Antônio Cavalcante e Manoel Francisco Cavalcante.

Manoel Francisco Cavalcante e Marcos Antônio Cavalcante tiveram o processo desmembrado dos demais acusados.

Em outubro de 2017, o Pleno do TJAL absolveu o deputado João Beltrão por falta de provas de sua participação no crime. Os desembargadores concordaram que o único indício contra o réu foi desfeito quando o ex-tenente-coronel Manoel Cavalcante mudou sua versão.


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