AGRICULTURA

Agricultor usa tecnologia sustentável para produzir gás de cozinha e fertilizante natural

Por 17/08/2015 - 09:48

ACESSIBILIDADE

Agricultor usa tecnologia sustentável para produzir gás de cozinha e fertilizante natural

“Foi uma invenção muito boa que inventaram. Achei ótimo. Não ‘preteja’ as panelas, cozinha rápido, a hora que ligar tem. Eu cozinho arroz, cozinho carne, faço chá, café, o que precisar.” É com essas palavras que dona Gilda Alves Oliveira Melo define a satisfação pelo uso de uma tecnologia alternativa e sustentável para produzir gás de cozinha na propriedade onde mora com o marido, seu Edézio Alves Melo, no Sítio Bananeira, zona rural de São José da Tapera, no Sertão alagoano.

Seu Dedé, como é mais conhecido, e dona Gilda compõem uma das cinco famílias sertanejas contempladas com um biodigestor, equipamento de baixo custo de implantação que aproveita esterco bovino e água para produção de gás de cozinha (biogás) e um fertilizante natural (biofertilizante). A tecnologia funciona de modo ambientalmente correto e não oferece risco aos agricultores.

Porém, enquanto em Alagoas existem apenas cinco dessas unidades em funcionamento e ainda de forma experimental, em Sergipe já são quase 90 biodigestores nas propriedades da agricultura familiar. Além do desconhecimento em relação a essa tecnologia, os produtores daqui que se interessam por ela esbarram em um problema: a falta de dinheiro para o custeio dos materiais e da mão de obra para instalação, que somam cerca de R$ 4 mil.

Biodigestor dispensa lenha, botijão e representa economia

Seu Dedé é um dos personagens do século XXI que se encaixam na definição de Euclides da Cunha sobre o sertanejo: “é, antes de tudo, um forte”. Após uma vida inteira de sofrimento e incertezas com a agricultura familiar, ele buscou orientação e deu um novo rumo ao seu trabalho. Passou a correr atrás de novidades e a incorporar tecnologias alternativas e ambientalmente sustentáveis à sua labuta diária. Tornou-se, dessa forma, um agricultor empreendedor.

Os resultados apareceram na produção de alimentos, na renda, na vida da família e no interesse de pesquisadores e cientistas em testar novos cultivos nas condições adversas do Sertão, em parceria com o agricultor. Em 2008, ele foi o primeiro produtor de Alagoas a instalar uma barragem subterrânea, o que lhe garante água em abundância, mesmo no verão, para produzir hortaliças e frutas.

Agora, com o biodigestor, ele dispensou o botijão de gás e aos poucos vai se desapegando do fogão a lenha, item que fez parte de toda a sua vida. “É uma tecnologia nova (o biodigestor), aprovada e muito bem aproveitada na nossa vida. É difícil pra construir, mas depois de construído é muito simples”, ressaltou seu Dedé.

O equipamento foi instalado em sua propriedade em meados de junho deste ano, a partir de um projeto do Instituto Ambiental Brasil Sustentável (IABS), numa parceria com o Centro Xingó de Convivência com o Semiárido. Foi essa mesma iniciativa que garantiu os outros quatro biodigestores, todos na zona rural do município de Piranhas, também no Sertão, no início do ano.

Para seu Dedé, o biodigestor representou, logo nos primeiros trinta dias de uso, uma economia de cerca de R$ 100 reais, que foi o que ele deixou de gastar com botijão de gás. Depois do equipamento pronto, o único “custo” que ele teve, além do trabalho, foram alguns quilos do esterco de suas vacas e alguns litros de água, que são as matérias-primas do biodigestor.

Queima da lenha pode causar danos à saúde           

A queima da lenha ou do carvão, que também faziam parte da rotina de seu Dedé e de sua esposa, dona Gilda, estão perdendo espaço para o biodigestor. Além do dano ambiental, esses materiais causam prejuízos à saúde. A queima da lenha e do carvão produzem emissões de elementos tóxicos como benzeno, formaldeídos, acetaldeídos e butadienos, que são altamente nocivos à saúde.

Cerca de três bilhões das pessoas mais pobres do mundo ainda cozinham e se defendem do frio por meio da queima de biomassa: madeira, carvão e até esterco de gado. A informação está publicada no endereço eletrônico do médico Dráuzio Varela, que se tornou conhecido por apresentar quadros sobre saúde num programa de televisão.

“A mesma fumaça que encarde as paredes e escurece o teto de suas casas, infelizmente, invade o aparelho respiratório dos moradores, causando dois milhões de óbitos por ano”, destacou o médico. A publicação diz ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o fogão a lenha o fator ambiental responsável pelo maior número de mortes, no mundo inteiro. Morre mais gente como consequência desse tipo de poluição doméstica do que de malária (causadora de 800 mil mortes/ano).

“Mulheres e crianças que vivem em pobreza extrema correm risco mais alto, porque ficam mais expostas – os homens tendem a passar menos tempo em casa. Nas crianças com menos de cinco anos de idade, a principal causa de morte é pneumonia aguda, seguida pelas complicações da asma. Nas mulheres, a mortalidade está associada à doença pulmonar obstrutivo-crônica – das quais o enfisema é a mais frequente –, à doença cardiovascular e ao câncer das vias respiratórias. Sem nunca haver acendido um cigarro, padecem dos mesmos flagelos que afligem os fumantes”, explicou o médico, na mesma publicação.

Esses são alguns dos problemas de saúde que o uso do biodigestor pode evitar entre os agricultores, caso essa tecnologia seja difundida no meio rural alagoano.

Fertilizante natural oriundo do biodigestor melhora produção de uva          

Durante a produção do biogás, o biodigestor libera um subproduto, de aspecto pastoso e que pode ser utilizado para adubar plantações. É um adubo natural chamado de biofertilizante. Seu Dedé, que desde a instalação de sua primeira barragem subterrânea, em 2008, consegue produzir hortaliças e frutas o ano inteiro, resolveu aplicar o biofertilizante numa plantação experimental de uvas, que ele cultiva há pouco tempo a partir de uma parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

“O resultado foi excelente. As frutas ficaram melhores, mais bonitas. E eu uso porque sei que esse produto é natural. Quando chegaram aqui, os professores me perguntaram o que eu tinha aplicado pra essas uvas ficarem desse jeito. Eu disse que foi o biofertilizante e eles ficaram surpresos e satisfeitos”, contou o agricultor, que também utiliza o novo fertilizante em outras culturas.

Quando perguntado se esse produto pode ser um dos caminhos para o fim dos adubos químicos na agricultura familiar, ele concordou, mas disse que antes é preciso investir mais na instalação de outros biodigestores.

Adubo químico polui o solo, a água e modifica o sabor dos alimentos

Enquanto o fertilizante natural obtido a partir do biodigestor não traz danos ao meio ambiente nem aos alimentos produzidos, os adubos ou fertilizantes químicos vendidos em lojas de produtos agropecuários, quando usados de forma inadequada ou sem assistência técnica, podem trazer sérios riscos ao meio ambiente.

Segundo o engenheiro agrônomo Josival Almeida, “apesar dos adubos sintéticos darem, em curto prazo, uma resposta em termos de uma maior produtividade e produtos de maior tamanho, estes são em geral menos saborosos, mais pobres em vitaminas e sais e impregnados de resíduos venenosos”.

“O uso de insumos sintéticos não matou a fome do mundo, não combateu a pobreza rural e não eliminou a miséria do campo e da cidade”, ressaltou Josival Almeida. Ainda de acordo com ele, não se deve usar adubos químicos por três razões principais.

“A primeira delas é que esses produtos são facilmente absorvidos pelas raízes das plantas, causando expansão celular (as membranas celulares ficam mais finas) e fazendo com que aumente muito seu teor de água – isso as torna um ‘prato’ para as pragas e doenças, além de serem menos saborosas e terem o seu teor nutritivo empobrecido”, explicou.

A segunda razão, conforme detalhou o engenheiro, é que uma parte dos adubos químicos é levada pelas águas das chuvas e irrigações, indo poluir rios, lagoas e lençóis freáticos, acabando por causar, juntamente com os despejos de esgotos, a eutrofização – que é a morte de um rio ou lago por asfixia, pois os excessivos nutrientes, além de estimularem um grande crescimento das algas, roubam o oxigênio da água.

A terceira razão, de acordo com Josival Almeida, é que outra parte dos fertilizantes químicos se evapora, como no caso dos adubos nitrogenados (por exemplo, sulfato de amônio), que sob a forma de óxido nitroso vai, assim como ocorre com os fluocarbonetos de aerossol, destruir a camada de ozônio da atmosfera.

“Vários tipos de fertilizantes químicos, geralmente os mais usados, são violentos acidificadores do solo, além de serem biocidas (destruidores da microvida do terreno)”, afirmou.

No caso do adubo natural (biofertilizante) gerado a partir do biodigestor, nada disso acontece. Dessa forma, a produção de alimentos, inclusive das uvas na propriedade do seu Dedé, ocorre de forma sustentável e sem agredir o meio ambiente.

Biogás é mais limpo e menos explosivo que o gás do botijão

Segundo a coordenadora local do Centro Xingó de Convivência com o Semiárido, Aline Melo da Silva, que representa o IABS, os cinco biodigestores instalados no Sertão servem de modelo para a multiplicação dessa tecnologia. “Estamos apoiando as famílias para que sirvam de modelo e para aprimorarmos e melhorarmos o biodigestor”, disse.

Para isso, o Instituto disponibilizou um técnico que acompanha os agricultores. Marcondes Lima Dias é quem garante a eles assistência e faz uma visita pelo menos a cada 15 dias. Ele explica que o equipamento funciona bem em temperaturas que variam de 20 a 45 graus Celsius, ou seja, dentro das temperaturas registradas no semiárido alagoano no verão e no inverno.

“Todo o trabalho no interior do biodigestor é feito por bactérias, que não precisam utilizar oxigênio, ou seja, elas fazem um processo anaeróbio. O biogás é mais grosso que o gás dos botijões comuns, mas é também um gás mais limpo e não libera impurezas”, detalhou.

É por essa razão, segundo ele, que as panelas da dona Gilda, esposa do agricultor seu Dedé, não “pretejem” mais, ou seja, não ficam pretas devido à chama. “Essa é uma tecnologia nova para os agricultores e pra nós também, por isso estamos sempre fazendo adaptações. Acredito que, com o manejo adequado, a vida útil de um biodigestor pode chegar a 15 anos”, avaliou o técnico.

Para o engenheiro químico e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Edmundo Accioly, a produção de biogás representa um importante meio de estímulo à agricultura, promovendo a devolução de produtos vegetais ao solo e aumentando o volume e a qualidade de adubo orgânico.

“O uso do biogás (que é o gás metano) na cozinha é higiênico, não desprende fumaça e não deixa resíduos nas panelas, assim como o gás butano (dos botijões)”, comentou o professor. Porém, segundo ele, o gás butano, por ser um derivado do petróleo, pode conter traços de enxofre e se tornar, portanto, mais poluente. “O enxofre é o causador de chuvas ácidas. O gás butano também é mais explosivo que o biogás (metano) por ser mais pesado e estar comprimido em botijões”, lembrou o professor.

Ainda segundo ele, o desenvolvimento de um programa de biogás representa um recurso eficiente para tratar os excrementos e melhorar a higiene e o padrão sanitário do meio rural. “O lançamento de dejetos humanos e animais num digestor de biogás soluciona os problemas de dar fim aos ovos dos esquistossomos e ancilóstomos, bem como de bactérias, bacilos disentéricos e paratíficos e de outros parasitas”, detalhou Edmundo Accioly.

Difusão do biodigestor esbarra na falta de recursos dos agricultores        

Ainda de acordo com o técnico Marcondes Lima Dias, a novidade já chama a atenção dos demais agricultores sertanejos, porém, “eles não têm condições de comprar os materiais pra fazer a instalação dessa tecnologia”. Entre esses materiais, estão uma caixa de água, canos, madeira, garrafão de plástico, mangueiras, registro, cimento e tijolos. Ao todo, cada unidade custa cerca de R$ 4 mil.

A Secretaria de Estado da Agricultura, Pesca e Aquicultura (Seapa), que é uma das coordenadoras do Centro Xingó, informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que não possui, no momento, nenhum projeto para instalação de novos biodigestores em outras propriedades da agricultura familiar.

Mas ressaltou que o Centro está se tornando referência na captação de demandas do Brasil para a rede internacional que está sendo formada no auxílio às populações de regiões semiáridas. Ainda conforme a assessoria, no local existem trabalhos relacionados a novas técnicas para produção de mudas, criação de aves, ovinos, caprinos, novos modelos de biodigestores e fornos e, principalmente, métodos de captação de água e otimização de seu uso para irrigação e consumo humano.

Procurada pela reportagem, a Gás de Alagoas S.A. (Algás) também informou, por meio de sua assessoria, que não tem projetos na área de biodigestores, uma vez que o órgão trabalha apenas com a distribuição de gás, e não com sua produção.

Porém, não é apenas a falta de recursos que impede os agricultores de aderirem a essa tecnologia. A falta de conhecimento sobre onde e como obter financiamento também se tornou um entrave. Segundo o engenheiro agrônomo Ruy Falcão, do Instituto de Inovação para o Desenvolvimento Rural Sustentável (Emater/AL), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) pode custear esse tipo de investimento.

De acordo com ele, o Manual de Crédito Rural do Pronaf, no capítulo 10, seção 16, explica que entre as finalidades do programa estão “implantar, utilizar e/ou recuperar tecnologias de energia renovável, como o uso da energia solar, da biomassa, eólica, miniusinas de biocombustíveis e a substituição de tecnologia de combustível fóssil por renovável nos equipamentos e máquinas agrícolas”. Para esse tipo de crédito, os juros são de 2,5% e o prazo para pagamento é de até 10 anos, incluindo três anos de carência.

Biodigestor não agride o meio ambiente e permite reabertura de casas de farinha

Ainda segundo o engenheiro químico e professor da Ufal, Edmundo Accioly, o biodigestor é uma tecnologia sustentável porque com ele se aproveitam estercos que normalmente não têm nenhuma utilização racional e que muitas vezes ficam estocados em locais inadequados. “Sob o ponto de vista da sustentabilidade econômica também, pois se obtém um combustível com baixo custo financeiro”, completou o professor.

“O gás obtido com o biodigestor não vai ser jogado na atmosfera. Ele vai ser queimado e desta forma não oferece riscos para o meio ambiente. O esterco vai ser degradado pelas bactérias anaeróbicas, gerando o gás. A parte do esterco que não se transforma em gás é rica em nitrogênio, deve ser retirada do biodigestor e usada como adubo na forma sólida”, comentou Edmundo Accioly.

Mesmo sem saber dos conselhos do professor da Ufal, o agricultor seu Dedé fez exatamente isso e, assim, está incrementando a produção de uvas e hortaliças. O professor também defende que esse tipo de tecnologia deveria ser adotado em outras propriedades da agricultura familiar, através do apoio governamental, devido ao baixo custo de instalação e à sustentabilidade.

É por essa razão que biodigestores estão sendo usados para a reabertura de casas de farinha na região Agreste de Alagoas, que foram fechadas durante uma fiscalização de órgãos ambientais e do Ministério Público Estadual (MPE), ainda em 2014, conhecida como Fiscalização Preventiva e Integrada (FPI) do São Francisco.

Para se adequar às exigências dos órgãos ambientais, uma dessas casas de farinha, situada na zona rural do município de Lagoa da Canoa, instalou um biodigestor, que aproveita os resíduos do processamento da mandioca.

O equipamento, por ter uso industrial, é diferente daqueles instalados nas casas dos agricultores, no Sertão. O investimento também foi maior: cerca de R$ 36 mil, segundo informações repassadas pela assessoria de imprensa da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur). O financiamento foi obtido com a Agência de Fomento Desenvolve e será pago pelos agricultores que usam a casa de farinha.

Ainda conforme a assessoria da Sedetur, o mesmo tipo de biodigestor deverá ser instalado por outras quatro casas de farinha, na região entre Lagoa da Canoa e Girau do Ponciano, para que assim consigam autorização dos órgãos ambientais para a reabertura.

Além do fogão de cozinha, outros usos possíveis para o biogás gerado pelo biodigestor são os seguintes: uso em lampião; uso como combustível para motores de combustão interna; uso em geladeiras; uso em chocadeiras; uso em secadores de grãos ou secadores diversos; uso na geração de energia elétrica; aquecimento e balanço calorífico.

Fonte: Cada Minuto


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