PERÍCIA REVELA

Massa Falida da Laginha sangrou R$ 27 milhões em um ano

Por 13/07/2015 - 11:44

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Massa Falida da Laginha sangrou R$ 27 milhões em um ano

No Escritório Central da Massa Falida da Laginha Agroindustrial, em Maceió, deveriam estar comprovantes que não foram entregues ao perito contador judicial

A broca-da-cana, Diatraeasaccharalis, é a praga campeã em perdas nos canaviais brasileiros e os efeitos de sua atuação são capazes de devorar a doçura no interior do vegetal e garantir seu tombamento com a simples ação do vento. Segundo estudos de Agronomia, o momento mais propício ao aumento das infestações desta praga são os tempos de estiagem, justamente quando a cana mais precisa de ajuda para vencer a escassez de recursos naturais. De acordo com o laudo pericial contábil apresentado no último dia 02 de julho à Justiça de Alagoas, a gestão colegiada da Massa Falida da Laginha Agro Industrial S/A promoveu resultados semelhantes à ação desta praga faminta, que desce em direção à base de sustentação da vítima.

No intervalo de um ano, o comando da Massa Falida consumiu, por meio de diversas transações irregulares, R$ 27 milhões do patrimônio do grupo empresarial que o ex-deputado federal João Lyra (PSD) administrava. Sendo que R$ 20,5 milhões deste montante são de origem do governo federal, que encaminhados por meio de subvenção econômica paga pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para socorrer a indústria de açúcar e álcool enquanto suas atividades não forem retomadas.

A partir do que diz o laudo do perito contador judicial Joel Ribeiro dos Santos Junior (foto), designado para o serviço por indicação do Ministério Público Estadual de Alagoas (MP), pode se concluir que o caos administrativo instalou-se na Massa Falida da Laginha, entre maio de 2014 e maio de 2015, provocando perda de tempo e de dinheiro, por meio de gastos milionários com salários pagos a supostos servidores, retiradas em espécie, locação de veículos, combustíveis, remunerações, honorários, viagens, restaurantes, segurança privada e até lavanderia.

O documento com 58 páginas e anexos que totalizam 5 mil folhas conclui que os gastos se mostraram totalmente fora da realidade de uma empresa falida, sem paralelo na conjuntura do Brasil em crise, ainda mais para uma gestão colegiada que precisa abater uma dívida próxima de R$ 2 bilhões com credores, bancos e, principalmente, fornecedores e trabalhadores rurais em situação de dificuldade de sobrevivência.

Os responsáveis pela instalação do ambiente empresarial considerado caótico na Massa Falida da Laginha, no período avaliado pelo perito contador judicial são o administrador judicial Carlos Benedito Lima Franco dos Santos e os gestores judiciais Felipe Carvalho Olegário de Souza e X Infinity Invest & Assessoria Empresarial Ltda.

NA BOCA DO CAIXA

Entre as práticas consideradas incompatíveis com o processo de falência está o montante de R$ 2.079.293,90 sacados em espécie da conta que a Massa Falida tem no Banco Bradesco. Tais saques iniciaram em agosto de 2014, com a retirada de R$ 846.400,46, e, curiosamente, foram diminuindo a partir do início do trabalho de perícia contábil judicial em 05 de setembro de 2014, quando foi sacado R$ 651.629,97. A partir daí, tais saques prosseguiram na seguinte ordem decrescente: R$ 370.867,18, em outubro; R$ 92.925,81, em novembro; R$ 84.353,73, em dezembro; R$ 22.387,10, em janeiro de 2015; R$ 5.007, em fevereiro; e R$ 5.722,65, em março.

 

Perícia relata sonegação de dados e falta de comprovação de gastos

O perito contador judicial, Joel Ribeiro dos Santos Junior, relatou no laudo pericial que, na gestão colegiada da Massa Falidada Laginha não há processos de controle interno, demonstraçõesfinanceiras, livros contábeis e fiscais obrigatórios regulares, devidamente registrados junto aos órgãos competentes. Além disso, apesar de ter formalizado um termo de diligência ao administrador judicial e aos gestores judiciais, solicitando,em 17 de setembro de 2014, toda a documentação da empresa desde o início da recuperação judicial, em 2008, o perito não recebeu os papéis e dados de todo este período.

Na resposta da gestão colegiada da Massa Falida, foi indicado que todo o material necessário às atividades técnicas teria sido encaminhado ao Escritório Central da Laginha, em Guaxuma. Mas o saldo dos documentos entregues até a última semana foi de apenas 15 dos 89 meses necessários. Foram apresentadas as documentações de um mês de 2008; um mês de 2010; oito meses de 2014; e cinco meses de 2015.

Por conta da ausência dos dados, o foco da perícia contábil restringiu-se à prestação de contas incompleta apresentada pela gestão colegiada, que hoje mantém apenas a X Infinity como administradora judicial provisória, devido às renúncias de Carlos Franco e Felipe Olegário, em maio. A dupla deixou a função justamente quando o MP requereu a destituição de todos os gestores da Massa Falida.

Em suma, o laudo justifica que otrabalho da perícia se restringiu ao período da maio de 2014 a maio de 2015, pelo flagrante descaso da gestão colegiada. Ainda assim, dados como folha salarial e comprovantes de pagamentos de impostos deste período apurado junto às três usinas alagoanas, duas usinas mineiras e o Escritório Central de Maceió não foram apresentados para a perícia, apesar de o pedido por todos os dados ter sido reforçado em 28 de maio deste ano.

E desde o início da gestão de Carlos Franco, em 23 de abril de 2014; de Felipe Olegário, em 19 de março de 2014; e da X Infinity, em 14 de agosto de 2014, o grupo não anexou às suas prestações decontas todos os documentos comprobatórios que dão lastro às operações bancárias realizadas, atesta o perito.

Ao negar o envio da documentação para a perícia, o grupo de gestores afirmou reiteradamente que “por questão de racionalidade” e para não “avolumar ainda mais o processo” estava disponibilizando os documentos apenas para consulta, no Escritório Central.

 

Gestão colegiada dobrou seus salários e deram descontos de 45% em venda de cana

A partir do segundo mês do início do trabalho da perícia contábil judicial, em novembro de 2014, as remunerações do então administrador judicial Carlos Franco e do gestor judicial Felipe Olegário saltaram de R$ 25 mil para R$ 50 mil mensais para o primeiro e R$ 40 mil para o segundo. Os pagamentos seguiram nestes valores até janeiro de 2015, quando o Tribunal de Justiça interveio, retendo os pagamentos e fixando os valores em R$ 20 mil para ambos, a partir de março.

A intervenção não evitou que o saldo de recebido pelos gestores chegasse a R$ 397,4 mil para Carlos Franco e R$ 326,3 mil para Felipe Olegário, entre maio de 2014 e maio de 2015. A X Infinity recebeu R$ 394,2 mil no mesmo período. Apesar do montante, a perícia não conseguiu comprovar o recolhimento de impostos e contribuição previdenciária, ainda mais em relação à emissão de recibos de pagamento a autônomos (RPAs) preenchidos em valores acima das remunerações brutas, ou simplesmente não emitidas, como Carlos Franco e Felipe Olegário, em outubro de 2010.

Apesar da dívida de quase R$ 2 bilhões e de haver 16 mil trabalhadores em folha de pagamento e 30 mil ações trabalhistas pendentes, os gestores da Massa Falida da Laginha ainda teriam tomado a iniciativa, independente e não autorizada nos autos do processo de falência, de “ser solidários” à Usina Serra Grande S/A, ao vender cana com desconto médio de 45,26%, entre novembro de 2014 e abril de 2015. E em vez de receber o total de R$ 3,2 milhões pela cana, abriu mão de R$ 1,4 milhão de reais dando o desconto e ainda permitindo que três notas fiscais fossem emitidas somente 45 dias depois da transação.

E enquanto salários de gestores duplicam e usina aproveita a “promoção” da Massa Falida da Laginha, o perito contador judicial não conseguiu obter a folha de pagamento e nem sequer contracheques aptos a comprovar o destino das despesas incluídas nas contas da gestão judicial como sendo gastos com pessoal. A justificativa para não garantir ao perito o acesso aos comprovantes do pagamento aos supostos funcionários foi de que esta documentação estaria nas sedes das usinas da Massa Falida da Laginha.

 

Sem concorrência, contratos estão incompletos, ou não existem

Outra situação identificada pela perícia contábil judicial em relação aos gastos da Massa Falida da Laginha é a relação contratual precária que resulta em altos gastos, em pleno período de inatividade produtiva da agroindústria.

Há por exemplo, quatro contratos de segurança patrimonial e pessoal, com a empresa E de A Moraes Junior Segurança – EPP, ao custo mensal de R$ 262 mil, sem haver previsão da quantidade de homens, escala de revezamento, se segurança é armada ou não, nem onde são os postos de trabalho, o que impossibilitou uma análise da perícia sobre os valores cobrados. Em um ano, somente esta empresa recebeu R$ 1,8 milhão, que somado a valores pagos a outras três empresas, resultam num custo de R$ 2,1 milhões somente com segurança.

Em outros quatro contratos para locação de impressoras, não é especificado o valor do serviço prestado por José Deivid Andrade Carvalho, que recebeu R$ 5,1 mil em um ano.

Outra informação importante no laudo é a existência de pagamento de quase R$ 1 milhão a sete escritórios de advocacia, que não impedem que as movimentações financeiras da Massa Falida sejam repletas de irregularidades, muito menos que a Laginha continue perdendo prazos para recorrer de parte considerável das mais de 30 mil ações judiciais.

 

Doze carros foram locados à empresa de João Lyra

A Massa Falida da Laginha mantém contrato de aluguel de doze carros à concessionária Mapel, ao custo de R$ 36 mil mensais, sem orçamentos de outras empresas. A curiosidade é que o alagoano bem sabe que esta empresa também é de propriedade do ex-deputado João Lyra, que continuou a receber, pelo menos R$ 169,8 mil em um ano, por meio da Mapel. Não bastasse esta situação aparentemente conflitante, o Ministério Público Estadual solicitou no mês passado que o juiz Kleber Borba Rocha determine a venda da Mapel para pagar as dívidas da Laginha.

O laudo foi protocolado na Comarca de Coruripe e apresentado ao juiz Kleber Borba Rocha e ao promotor de Justiça Flávio Gomes da Costa Neto. E deve ser alvo de medidas judiciais nas esferas da Justiça de Alagoas e da Justiça Federal, por envolver os R$ 20 milhões de recursos federais da Conab. O perito contador Joel Ribeiro dos Santos Junior tem experiência de mais de 15 anos de atuação no mercado, inclusive, em processos de falência no Estado de Minas Gerais.

 

 

Fonte: Cada Minuto Press

 

 

 


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